Quem são esses brasileiros analfabetos residentes no DF?
O Projeto Leitura, tem como objetivo vencer um dos maiores desafios encontrados pelos professores e amantes da literatura: Criar o hábito da leitura.
Projeto LEF Confira artigos, trabalhos, Vídeos, Fotos, projetos na seção do Letramento no Ensino Fundamental.
Sírio Possenti Vi na TV uma rápida reportagem sobre o assunto. Dias
depois, uma chamada para o Fantástico dizia que um repórter ia cobrir a
curiosidade para esse programa que não vejo há anos. Sempre que vejo as
chamadas - seja pelos temas, seja pelas caras e bocas - sobre as
atrações ou leio alguma nota sobre o que foi mostrado no último
domingo, decido não assistir e depois dou graças por não ter assistido
(espero que os leitores, os que a perceberem, não impliquem com essa
construção passiva...). A tal curiosidade ocorre em Sabino, pequena cidade do
interior de S. Paulo. Lá, um grupo de pessoas fala de um jeito gozado,
dizia a chamada. Seguia-se a inserção de diálogos incompreensíveis. Em
seguida, o segredo era revelado: falavam de trás pra frente, isto é,
invertendo a ordem das sílabas das palavras. Um exemplo simples:
"problema" vira "mablepro" (aparentemente, sem nenhum interferência de
sotaque "caipira", ou seja, "ble" é ble mesmo). Um exemplo mais extenso: "Aceite o desafio de Sabino"
se torna "Teceia o ofisade de Nobisa". Um detalhe interessante:
palavras de uma sílaba, previsivelmente, não sofrem nenhuma mudança.
Por exemplo, "vamos falar de trás pra frente agora", em sabinês, é
"larfa de tras pra tefren ragoa" - inclusive pra, claro. "Neurônios"
vira "osnironeu", ou seja, o ditongo é tratado como hiato, mas essa
diferença realmente é sutil. Não pude ouvir (vi só uma transcrição)
como se pronuncia "totex", que destaco por causa do "x", sabe como é...
"Gache de ser nhozimalnor!!" (chega de ser normalzinho) parece ser uma divisa e um desafio. O que é isso? O caro leitor pode ter certeza de que
não se trata de mais uma tentativa de acabar com nossa língua
portuguesa. É apenas um exemplo dos diversos papéis que uma língua
exerce numa sociedade. Aqueles que pensam ou defendem que uma língua
deve ser sempre correta, e as frases e textos, claros e simples estão
perdendo o melhor da festa. Até porque a decisão sobre clareza (ou não) e
correção (ou não) nunca é tomada no nível da língua (da gramática), mas
sim no interior dos campos ou das esferas sociais da ação linguística.
São os que fazem e publicam ciência que decidem que os textos devem ser
assim ou assado, critério que, claramente, não é seguido pelos que
fazem ou publicam literatura (revistas de física não publicariam
Guimarães Rosa, nem Machado...). Os papers têm o mesmo formato desde Newton. Mas a poesia mudou pra caramba! Todas as sociedades inventam brincadeiras com
materiais linguísticos. Em geral, as invenções são anônimas. São ao
mesmo tempo brincadeiras (um jogo) e formas de selecionar o que numa
língua é, por exemplo, problemático ou, inversamente, mais ou menos
óbvio. Os quebra-línguas selecionam problemas, que podem ser
de pronúncia ou relativos à ambiguidade, por exemplo: "três tigres com
trinta tigrinhos", "debaixo da pia tem um pinto; enquanto a pia pinga o
pinto pia" ("pia" é nome e verbo). Mas tais brincadeiras também mostram que certas
categorias são óbvias: quebramos a cara com teorias da sílaba, mas quem
fala a "língua do pe" (ou sabinês...) sabe que se trata de uma coisa
óbvia. Qualquer criança sabe tudo. Esses jogos mostram também outras facetas dos usos da
língua: um jogo pode ser fonte de diversão (em vez de jogar baralho,
joga-se língua...) e ser, ao mesmo tempo, uma espécie de um código
secreto. Tanto a "língua do pe" quanto o sabinês são ao mesmo tempo
fáceis (se não fossem não poderiam ser dominadas por qualquer um que se
dedique um pouco a isso) e "estranhas", ou seja, funcionam como um
código acessível apenas aos iniciados. Uma variante da "língua do PE" é o "pig latin" (latim
de porco...). Li sobre isso num manual de linguística e passo aos
leitores um exemplo: Is-thay entence-say, or-fay example-ay, is-ay itten-wray in-ay ig-pay atin-lay.
A regra é: acrescente "ay" no final de todas as palavras, mas coloque
antes de "ay" a primeira consoante de cada uma: assim "this" vira
"is-thay", "sentence" vira "entence-say", "pig" vira "ig-pay". "In"
vira "in-ay", "exemple" vira "exemple-ay", porque começam por vogais.
Sofisticado? Pelo que soube, crianças que falam inglês resolvem isso
tão facilmente quanto as brasileiras resolvem língua do pe (informo que
ouvi língua do PE e a pratiquei na primeira infância; na na coluna passada dei umas informações sobre que tipo de falante eu fui na infância). Em resumo: línguas servem para tudo! É uma pobreza
mental incrível querer transformá-las apenas no espaço das regras
uniformes. Perderíamos, no mínimo, todas as chances de fazer humor de
base linguística! Seria o fim! Ainda bem que ninguém obedece: poetas,
humoristas, publicitários e, principalmente, o povo. Acrescento duas notas. Uma: observe-se que o
internetês - que muitos maldizem - entra nessas categorias (código
secreto e jogo). Outra: um dos jogos mais interessantes é o palíndromo. Trata-se de uma sequência que tanto se lê da esquerda
para a direita quando da direita para a esquerda (mas deve haver em
outros sistemas de escrita e de leitura): os mais simples são nomes
(ANA, ANILINA) ou números (2002, 1001). Um pouco mais complexos são as
pequenas frases, como TUCANO NA CUT, um bom problema
político-ideológico, além do mais.
De trás pra frente
de Campinas (SP)
Todas as sociedades inventam brincadeiras com com materiais linguísticos, conta Sírio Posssenti
(Gravura: M.C. Escher/ Reprodução)