ENTREVISTA

MARCOS VILAÇA

 

O acadêmico fala da importância da língua para a cultura de um país e
explica o papel da Academia Brasileira de Letras, da qual é o atual
presidente

 

[...]

 

E qual a posição da Academia, ela é favorável a essa unificação [da língua
portuguesa]?

 

— É favorável à unificação e é favorável também ao entendimento de que a
língua é um ser vivo. A língua não pode ser imobilizada, não existe isso,
ela está em permanente processo de mutação. Agora, a Academia não entende
mutação como desorganização, não queremos desorganizar a língua. Não é isso.
Mas sim aceitar a língua no seu processo de evolução. Esse é um capítulo no
qual reconhecemos que há interesses muito fortes de editoras e de
professores, ou seja, há interesses comerciais para que permaneça essa
situação. No entanto, há convicções, do ponto de vista técnico ou
gramatical, que têm de ser conciliadas. Tem de se encontrar um modo comum de
operação. A Academia está ciente dessa diversidade e luta, como é do
temperamento brasileiro, por confluências. Depois de simplificar o capítulo
língua com isso que disse, é preciso ajuntar logo a seguir o fato de que a
Academia entrou firme no processo da internet. Hoje, nós temos um portal
dinâmico, o qual a Universidade de Salamanca [na Espanha], por exemplo,
considera um dos dois melhores portais brasileiros. O outro é o da
Biblioteca Nacional. Salamanca considera o portal da Academia como fonte de
pesquisa e referência. Isso há pouco mais de um ano e meio não existia.

 

E o que levou a Academia à internet?

 

— Nos dias de hoje não se pode deixar de ter intimidade com a internet. Por
exemplo, todos os nossos seminários, conferências, atos de posse dos
acadêmicos, enfim, tudo que acontece para o público aqui na Academia está
on-line nos dias de hoje. Recentemente, tivemos um seminário aqui sobre a
favelização nos grandes centros urbanos e o processo de interação da
Academia com essa questão foi forte. Entre outros participantes, tivemos o
acadêmico Hélio Jaguaribe, o Paulo Lins - homem da Cidade de Deus [no Rio de
Janeiro] - e a Aspásia Camargo - falando do ponto de vista sociológico. E
isso foi on-line. Outro exemplo são as posses dos acadêmicos, que hoje são
mais acompanhadas no sistema on-line do que de pessoas aqui presentes.
Ademais, não estamos mais usando somente o auditório para esses atos,
estamos pondo telões em outros espaços da Academia porque o público que
participa desses acontecimentos não cabe no salão. Esse portal inaugura
proximamente outra etapa que será A Academia Responde. Nós vamos acolher
perguntas sobre a língua, e um grupo de lexicógrafos - conduzidos por Sérgio
Pachá [lexicógrafo-chefe da ABL] e pelo acadêmico Evanildo Bechara, que é um
dos melhores especialistas do mundo em matéria de língua portuguesa - irá
supervisionar as respostas. O portal da Academia, que antes era visto por 30
ou 50 pessoas por mês, hoje é visto por centenas de milhares mensalmente.

 

[...]

 

A posição da Academia em relação à língua portuguesa dentro de um contexto
geopolítico é algo pouco ventilado na imprensa e pouco discutido nos
organismos governamentais, não?

 

— Acho que o governo se preocupa muito com coisas menos profundas, e a
imprensa, meu caro, é muito preocupada com o escândalo. E isso é um processo
que se retroalimenta. É preciso que a imprensa se volte para alimentar
aquilo que produz. E o que produz pensamento é um grupo como esse que existe
nesta casa [a ABL]. Aqui se produz pensamento, aqui se produz reflexão, e é
preciso que a imprensa veja que também existe esse outro mundo. Um mundo que
faz e não que desfaz e mata.

 

[...]


Como você vê quando personalidades, algumas bem expressivas, se recusam a se
candidatar ou entrar na Academia?

 

— Não acho nada demais. Há os que querem e os que não querem. Gilberto
Freyre, por exemplo, não quis; Carlos Drummond nunca desejou; Sérgio Buarque
de Holanda idem; e Antonio Candido não quer. E, olha aí, quando fomos buscar
um livro importante para consignar as comemorações dos 110 anos, editamos
quem? Antonio Candido, o qual não quer ser acadêmico. No entanto, não faltou
convite a ele. Ele não quer, mas nem por isso ficamos com preconceito.
Também fizemos homenagens aqui a Drummond, e faremos sempre. A mesma coisa
serve para Erico Verissimo. Sérgio Buarque de Holanda foi tema de seminário
para nós, no ano de aniversário de Raízes do Brasil [de 1936, uma das
principais obras de Buarque de Holanda, trata da herança histórico-cultural
que moldou o povo brasileiro]. Colocamos em pé de igualdade o Guimarães Rosa
e o Sérgio, um acadêmico e um não-acadêmico, e festejamos com igual
intensidade.

 

[...]

 

Houve projetos de lei que queriam retirar da língua portuguesa do Brasil
expressões em outros idiomas. Qual a sua posição sobre esse policiamento da
língua?

 

— Foi como eu disse: a língua é um ser vivo. Não dá para aplicar um
radicalismo dizendo que isso ou aquilo não pode. O português se socorre do
quê? Do latim, do grego. Então, por que hoje não pode se socorrer do inglês?
Já se socorreu tanto do francês! Em Portugal se usa rés-do-chão, aqui usamos
térreo. Em Pernambuco chamamos carpete de alcatifa, por causa da origem
árabe. Acho muito mais violento escrever ki koisa, isso, sim, é erro de
português. Eu não poderia, então, conversar com meus netos porque eles dizem
deletar? Teria de dizer que eles têm de usar apagar, porque é o correto?
Pode ser deletar, sim, por que não poderia? O mesmo vale, por exemplo, para
check-up. Só porque é imortal [como são chamados os membros da ABL] acha que
não precisa mais fazer check-up? [risos]. No entanto, em alguns casos se
usam expressões em inglês por pura bobagem. Acho que temos de trabalhar,
fazer um convencimento, trabalhar a juventude e explicar que não precisa
disso. Por exemplo, a palavra sale [venda] está por toda parte. Outro dia
fui a uma livraria para o lançamento de um livro da Barbara Freitag e havia
várias expressões em inglês - sold out [esgotado] etc. Não precisa disso.
Você vai aqui à Barra [da Tijuca, no Rio de Janeiro] e é a Miami piorada -
não sei como se pode piorar Miami, mas eles conseguiram.

 

      Revista E, nº 121, jun. 2007.
A versão integral da entrevista está disponível no sítio da Revista E:

www.sescsp.org.brsescrevistasrevistas_link.cfm?Edicao_Id=283&Artigo_ID=43
84&IDCategoria=4994&reftype=2


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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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