Quem são esses brasileiros analfabetos residentes no DF?
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Repetência e alfabetização
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA
É
IMPRESSIONANTE o avanço do Brasil na correção do fluxo escolar. Há
pouco mais de dez anos, tínhamos uma pirâmide: os alunos da primeira
série eram quase o dobro do universo da quarta. Hoje, a pirâmide virou
um pilar -são aproximadamente 3,8 milhões de alunos em cada um dos anos
iniciais. Mas o pilar é mais grosso do que deveria -cerca de 500 mil a
mais em cada série- e permanecem fortes os indicadores de distorção.
O
primeiro deles é a quantidade de crianças acima da faixa etária: nas
cinco séries iniciais, há 3,2 milhões de alunos com mais de 11 anos. Ou
seja, as vagas disponíveis são suficientes para seis séries escolares.
Isso representa um desperdício anual de quase R$ 4 bilhões por ano.
O
segundo problema é o elevado índice de repetência -quase 15% ao ano.
Somada à evasão, a perda anual é próxima de 18% ao ano, o que
acrescenta desperdício adicional de outros R$ 4 bilhões/ano. Resumindo,
vão para o ralo anualmente quase R$ 8 bilhões, e a maior parte desse
prejuízo se deve ao elevado nível de reprovação e suas sequelas.
Em
2009, o Ministério da Educação (MEC) iniciou um programa para
incentivar as redes municipais do ensino a corrigir o fluxo escolar. Na
sua primeira fase, o programa concentra-se nos 1,3 mil municípios de
menor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) -a maioria
deles com notas inferiores a 160 pontos na Prova Brasil.
Como
executor de parte desse programa, o Instituto Alfa e Beto aplicou um
teste para avaliar o nível de escrita dos alunos do segundo ao quinto
ano de 350 desses municípios, em 25 Estados da Federação. Foram
avaliados 338 mil alunos, mais de 70% do total da matrícula dessas
séries. O teste consistiu de ditado de palavras, ditado de frases,
frase escrita a partir de um estímulo e uma redação simples.
Os
resultados foram robustos -e aterrorizantes. Do total de alunos
avaliados, 70% foram considerados analfabetos, independentemente da
série. O grau de analfabetismo cai de 86% no segundo ano para,
respectivamente, 75%, 61% e 50% até o quinto ano. Nas classes
multisseriadas, 75% dos alunos são analfabetos.
Esses dados
confirmam o que já sabemos da Prova Brasil: um resultado de 150 pontos
em língua portuguesa, no quinto ano, o que significa que pelo menos
metade dos alunos dessa série são analfabetos. A média nacional, que é
de 172 pontos, sugere que, no Brasil como um todo, 20% dos alunos do
quinto ano mal conseguem fazer um ditado e raramente são capazes de
escrever uma frase diante de um estímulo, como um desenho.
Os
resultados comprovam a ineficácia da pedagogia da repetência e as
virtudes limitadas da promoção automática. Se o aluno é reprovado, fica
atrasado e não melhora muito sua capacidade de ler e escrever: quanto
mais atrasada a série, menos crianças conseguem ler. Se o aluno é
aprovado sem saber ler, metade deles consegue melhorar um pouco e
aproximadamente 10% serão alfabetizados a cada ano adicional.
Ou
seja: é patente que repetir o ano pura e simplesmente não melhora e
traz outros prejuízos. Ser aprovado traz menos prejuízos e melhora a
condição de alguns alunos.
A evidência disponível, confirmada
pelos resultados aqui apresentados, sugere que a correção do fluxo
escolar necessita a adoção simultânea de três medidas: 1) alfabetizar
as crianças no primeiro ano; 2) acelerar os alunos defasados, e o
primeiro passo é alfabetizar a maioria deles; e 3) erradicar a
pedagogia da repetência, sem cair na saída fácil da promoção
automática.
Dessas três medidas, a mais importante e urgente
consiste em alfabetizar os alunos no primeiro ano que chegam à escola.
A mais duradoura é erradicar a pedagogia da repetência e instaurar em
seu lugar uma pedagogia de ensino eficaz. Isso requer uma revolução.
Acelerar alunos defasados sem implementar outras medidas fará sentido
na medida em que servir para alavancar e provocar as outras mudanças.
Programas
e projetos que privilegiam a aceleração de alunos defasados podem ter o
mérito de atender, de maneira diferenciada, aos alunos que ficaram para
trás. Possivelmente, irão contribuir para melhorar a vida dessas
crianças e, de maneira mais modesta, reduzir a defasagem. Porém, sem as
medidas complementares, não vão funcionar. Apenas enxugamos o chão, mas
deixamos a torneira aberta.
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA,
63, psicólogo, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e
Beto. Foi secretário-executivo do Ministério da Educação (1995).