Especialistas questionam Provinha Brasil

Cerca de 16 mil alunos matriculados na 2ª série do Ensino Fundamental da rede municipal de São Paulo fizeram nesta quarta-feira, dia 30, a Provinha Brasil, avaliação elaborada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC). Com o objetivo de diagnosticar a aprendizagem dos estudantes com um ano de escolaridade fundamental, o exame testa habilidades descritas na Matriz de Referência de Avaliação em Alfabetização e Letramento, elaborada pelo MEC.

Destinada a todos os municípios e estados e prevista no compromisso Todos pela Educação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a Provinha tem adesão voluntária e seus resultados não serão contabilizados e divulgados pelo MEC. As provas são aplicadas e corrigidas pelos próprios professores das redes públicas e os resultados serão acessíveis apenas a eles e aos gestores da Educação de cada estado e município.

Nova Escola On-Line teve acesso, com exclusividade, a uma cópia da Provinha. A convite da reportagem, três especialistas - a professora Esther Grossi, coordenadora do Grupo de Estudos Sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (Geempa), a formadora Cisele Ortiz, do Instituto Avisalá, e uma equipe do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac) - fizeram uma análise do exame. Em todas as opiniões, levantou-se a questão do papel da Provinha na elaboração de políticas públicas para melhorar a formação dos professores alfabetizadores. A correção e a tabulação dos resultados é de responsabilidade de cada estado e município. Portanto, os resultados não terão escala nacional.

Veja os comentários das especialistas consultadas.

Boa tentativa

(Cisele Ortiz)

A Provinha Brasil, embora ainda mereça refinamento, é uma boa tentativa de começarmos a fazer o diagnóstico da alfabetização nas séries iniciais. Por meio dela, os professores terão chance de saber como está o nível da turma e também terão uma idéia de que tipo de proposta podem realizar com base nos resultados. É importante destacar o caráter pedagógico da avaliação. A finalidade não é classificar as crianças, mas orientar as ações pedagógicas do professor com sua turma, do coordenador com seus professores e do gestor com sua escola.

As orientações para correção trazem explicações simples. Mas trata-se de um conteúdo importante, que deve ser de domínio dos professores alfabetizadores. Esperamos que eles possam entender não só a intenção da prova, mas a opção didática que está por trás dela.

Penso que, nas próximas edições, seria bem interessante se as crianças pudessem escrever algumas idéias próprias ou mesmo um pequeno texto, de um gênero definido. Dessa forma, poderia ser identificado o tipo de texto a que as crianças têm acesso e também a qualidade discursiva deles.

Vejo a necessidade de orientar sobre o ambiente da prova, pois ele deve ser o mais parecido possível com o das atividades diárias das crianças. E acho que a prova deve ser aplicada pelo próprio professor da turma [pelas orientações do MEC, outro professor ou até mesmo alguém de fora da escola, contratado para esse fim, pode aplicar a prova].

Há, finalmente, uma ponderação importante a ser feita: em uma situação de avaliação externa, as crianças, muitas vezes, não se sentem estimuladas a dar boas respostas, pois não conseguem atribuir sentido a elas. Por isso, é preciso relativizar as respostas, considerando que podem estar aquém do conhecimento real.

Prioritário nesse sistema de avaliação é assegurar que o resultado da avaliação seja considerado na construção de uma política pública de formação para o professor, forma mais eficiente de melhorar a qualidade do ensino e, logo, os impactos na aprendizagem.

Cisele Ortiz é psicóloga e formadora do Instituto Avisalá.

Para planejar

(Equipe do Cedac)

O principal mérito da Provinha Brasil é o fato de que a avaliação dos saberes dos estudantes é vista como um subsídio para o planejamento do ensino, de modo a atender às reais necessidades dos alunos, identificadas por meio da análise dos resultados obtidos. Diferentemente da avaliação oficial dos alunos matriculados em etapas mais avançadas do Ensino Fundamental, o resultado do desempenho na Provinha Brasil se torna conhecido apenas pelos gestores e professores alfabetizadores da escola e não tem fins classificatórios.

Também por isso, é o docente que se responsabiliza pela aplicação e correção da prova. Mas, se por um lado esse dado nos parece positivo, por outro nos leva a pensar que há o risco de que certos resultados sejam influenciados por condutas do professor que não correspondam exatamente às orientações dadas pelos responsáveis pela elaboração do instrumento.

O fato de que gestores escolares e outros profissionais - como os coordenadores pedagógicos ou supervisores - estejam envolvidos no processo, desde a discussão que precede à aplicação, na qual se pode conhecer o objetivo e as características da avaliação, até o momento de tomadas de decisões coletivas com base na análise dos resultados, é outro aspecto que nos parece potencialmente produtivo.

Outra qualidade que ressaltamos é a possibilidade de que a Provinha crie oportunidades para que o processo de formação continuada de professores seja alimentado ou inaugurado. Consideramos que tanto o planejamento quanto a correção e análise dos resultados propiciam a reflexão sobre uma gama variada de questões relacionadas com a prática pedagógica.

A saber: o que se pretende com uma determinada pergunta da prova? Por que há itens em que o aplicador deve ler parte do que está escrito na folha ao passo que em outras não deve ler nem o texto nem a questão? O que pode ser considerado correto ou incorreto nas questões em que os alunos devem escrever? O que uma resposta dada por uma criança revela sobre o que pensa acerca do sistema de escrita alfabética? O que os resultados alcançados por meus alunos indicam? Que tipo de conteúdo precisa ser priorizado atualmente?

Por fim, mencionamos outro aspecto positivo: o fato de que no documento Provinha Brasil - Reflexões sobre a Prática são oferecidas aos professores e gestores orientações referentes ao que fazer após a análise dos resultados - evidenciando-se a intenção de que o instrumento de fato cumpra uma função diagnóstica que necessita ter continuidade com a realização de outras ações variadas e articuladas.

Alguns exemplos são: a comunicação do resultado da avaliação aos pais dos alunos e aos próprios interessados; a análise de livros didáticos adotados pela escola bem como de livros de literatura infantil fornecidos por programas do Ministério da Educação, do ponto de vista de sua possível contribuição para o avanço dos alunos em relação ao desempenho apresentado na Provinha.

Análise redigida em conjunto por seis educadores do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (CEDAC).

Avaliação inadequada

(Esther Pillar Grossi)

Infelizmente, a Provinha tem várias inadequações. Em primeiro lugar, ela reflete a idéia de que se aprende do mais fácil ao mais difícil, do ponto de vista do conteúdo, e não por meio de campos conceituais. Campo conceitual é um espaço de situações nas quais estão presentes os elementos do que se está ensinando, revestidos de sentido, ou seja, de valor existencial para quem está aprendendo.

E como se dá essa aprendizagem? Construindo idéias sobre os elementos presentes nas situações. Essas idéias não são uma seqüência linear que segue a lógica do conteúdo em jogo. Elas são bizarras, mas muito inteligentes. Correspondem aos níveis psicogenéticos, já bem conhecidos no caso do campo conceitual da Alfabetização.

A lógica dos níveis da Provinha Brasil não tem nada a ver com essas formulações científicas, já amplamente aceitas mundo afora. O mesmo vale para os descritores de habilidades da Provinha, porque o campo conceitual da Alfabetização não ordena o conhecimento da escrita e da leitura primeiro de palavras ou de letras, para só depois chegar aos textos. Aliás, os textos são os elementos-chave das situações que levam à possibilidade do letramento e devem ser trabalhados desde o primeiro dia de aula.

Em segundo lugar, a alfabetização considerada como a competência básica mínima de entrada no mundo da escrita pode e deve ocorrer em um ano letivo. É um equívoco de graves conseqüências práticas o prolongamento do tempo de alfabetização para dois anos, como prevê o Guia de Correção da Provinha Brasil.

Esther Pillar Grossi é professora e fundadora do Grupo de Estudos Sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (Geempa).

Nova Escola On-Line: São Paulo: Abril, 30 abr. 2008. Acesso em: 1 maio 2008.

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