[1]

 

Maria Cecilia Mollica (UFRJCNPq)

Fernando Loureiro (PR-5UFRJ)

 

In Português Brasileiro II: contato lingüístico, heterogeneidade e história. (UFFFAPERJ, 2008).

 

Objetivos

 

Este artigo tem como objetivo oferecer ao professor de língua, em especial, ao alfabetizador, subsídios sociolingüísticos à primeira etapa de aprendizagem do código escrito. Muito tem sido dito a respeito do tema, mas há pouca reflexão sobre o conhecimento de que o docente alfabetizador precisa para iniciar os alunos no processo de apropriação de leitura e escrita, respeitando-lhes o perfil sociolingüístico. Em muitos autores, encontramos a importância de qualificar adequadamente os professores para o trabalho com a linguagem.

Um ponto importante é sempre ressaltado: o falante nativo, aluno, já traz um conhecimento prévio de sua língua, a competência gramatical e a competência comunicativa. Dentre seu arsenal de conhecimentos, inclui-se a variedade que lhe é própria, seja rural, urbana ou rurbana, nos termos de Bortoni-Ricardo (2005). Essa questão é fundamental na medida em que o alfabetizador em formação tem que saber que os alfabetizandos possuem uma linguagem oral, seja prestigiada ou não prestigiada, que deve ser respeitada.

Assim, nossa meta é a de refletir sobre as contribuições da Sociolingüística no processo de formação de professores alfabetizadores em Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerando a experiência de 4 anos, desenvolvida nos cursos de formação inicial e continuada do Programa de Alfabetização da UFRJ para Jovens e Adultos em Espaços Populares.

 

Variação inerente: o princípio da heterogeneidade

 

Além de oferecer aportes ao alfabetizador que lida com o conceito de analfabeto funcional, tal como discutido em Scliar-Cabral (2006), há que se introduzir conceitos da realidade das línguas naturais. O princípio da mudança lingüística não pode deixar de ser conhecido com as devidas adaptações para o professor em vias de qualificação. Essa questão é importante na medida em que o alfabetizador tem que saber que os educandos possuem uma linguagem oral plena de cancelamentos de segmentos sonoros e morfossintáticos, muitos dos quais são recuperados com dificuldade pelo aprendiz de escrita, dado que não processos de mudança avançada na língua.

A Teoria da Variação assume como pressuposto central a noção de variabilidade inerente ao sistema lingüístico (em essência heterogêneo), não aleatória, mas sistemática, podendo ser descrita e explicada. Por variação, entende-se a coexistência de duas ou mais formas para dizer a mesma coisa, ou seja, com o mesmo significado, e que se manifestam como características de indivíduos, regiões e estratos sociais. Como  afirmam Mollica & Braga (2003:11):

 

“Cabe à Sociolingüística investigar o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação, diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo ou negativo sobre a emergência dos usos lingüísticos alternativos e prever seu comportamento regular e sistemático. Assim, compreende-se que a variação e a mudança são contextualizadas, constituindo o conjunto de parâmetros um complexo estruturado de origens e níveis diversos. Os condicionamentos que concorrem para o emprego de formas variantes são em grande número, agem simultaneamente emergem de dentro ou de fora dos sistemas lingüísticos.”

 

            Neste sentido, o conceito de “comunidade de fala”, um grupo social que compartilha uma visão comum sobre as normas de uso de uma língua, isto é, um conjunto de usos lingüísticos e uma forma de avaliação sobre essas variantes, assumiu importante lugar nas análises sociolingüísticas. Este conceito permitiu explicações mais amplas sobre a existência de marcas estilísticas e identidades sociais no discurso, como afirma Labov (1972:203):

 

“The existence of variation and heterogeneous structures in the speech communities investigated is certainly well-estabilished in fact. It is the existence of any other type of speech community that may be placed in doubt. There is a kind of folk-myth deeply embedded among linguists that before they themselves arrived on the scene there existed a homogeneous, single-style group who really “spoke the language” Each investigator feels that his own community has been corrupted from this normal model in some way - by contact with other languages, by the effects of education and pressure of the standard language, or by taboos and admixture of specialized dialects or jargons. But we have come to the realization in recent years that is the normal situation - that heterogeneity is not only common, it is the natural result of basic linguistic factors.”

 

As relações entre os conceitos de variação e mudança (“toda mudança resulta de variação, mas nem toda variação resulta em mudança”), se tornam então fundamentais para se trabalhar com determinados grupos sociais, ou comunidades de fala, como adultos em processo de alfabetização.

 

Análise de processos variáveis: a pesquisa em sociolingüística

 

A partir de aportes fundamentais da Lingüística, em geral, e da Sociolingüística, em particular, o alfabetizador em formação inicial vai adquirindo progressivamente o instrumental teórico necessário para um maior entendimento dos problemas comumente encontrados em classes de alfabetização de crianças e adultos, como os que envolvem processos variáveis em itens lexicais. Sobre o papel da posição na concordância nominal no Português, afirmam Naro & Scherre (2007:37):

 

“Scherre (1988) em sua tese de doutorado, retoma a análise da concordância nominal e demonstra que uma análise da concordância nominal que leve em conta apenas a variável posição linear encobre regularidades lingüísticas importantes e propõe uma análise alternativa que considera uma nova variável, advinda do cruzamento entre as variáveis: (1) posição linear; (2) classe nuclear e não-nuclear e (3) relação entre classe nuclear e não-nuclear.” (Naro & Scherre, 2007:37)

 

Em Mollica (2003), é apresentada uma pesquisa sobre concordância nominal com base nos parâmetros utilizados em Scherre (1988), observando o peso de variáveis como ‘marcas precedentes’ e ‘posição dos elementos no SN’. Refletindo a influência de uma variável relacionada ao processo de alfabetização (‘comsem instrução’ pedagógica para realização do exercício), os alfabetizandos tendem a marcar mais os elementos em segunda e terceira posição quando recebem instrução pedagógica, isto porque nas escolas se trabalha normalmente com SN’s do tipo “As meninas bonitas” (Art + Nom + Adj). Como observa Mollica (2003:74):

 

“Essa parece ser a configuração mais usada pelos falantes, em geral, e pelos aprendizes de escrita, pois é a encontrada nas cartilhas de alfabetização. Sendo assim, a instrução dirigida para marcar elementos à esquerda e à direita do segundo elemento do sintagma, geralmente nuclear, é indicada como estratégia de superação de problemas relacionados à marcação de plural na escrita dentro dos sintagmas nominais.”

 

Como observa Mollica (2003), durante o processo de alfabetização, é importante observar em quais itens ou contextos os fenômenos variáveis se apresentam mais claramente, assim como é necessária uma análise do perfil sociolingüístico dos alfabetizandos. A análise de dados de pesquisas de Sociolingüística Variacionista, publicados em teses e dissertações, assim como em revistas e anais de congressos, deveria portanto ser mais acessível ao alfabetizador através do professor formador.

 

Preconceito lingüístico e o princípio do respeito às variedades lingüísticas

 

Tomar consciência de que os sistemas lingüísticos naturais mudam significa que as línguas apresentam variação inerente e que existe o princípio da heterogeneidade. É importante observar que Weinreich, Labov & Herzog (1968), no estudo clássico “Empirical fundations for a theory of language change”, destacaram como pressuposto teórico central da Sociolingüística o caráter ordenado e social da variação e da mudança de uma língua numa comunidade de fala:

 

“Linguistic and social factors are closely interrelated in the development of language change. Explanations which are confined to one or the other aspect, no matter how well constructed, will fail to account for the rich body of regularities that can be observed in empirical studies of language behavior.”

 

Conseqüentemente, uma questão importante se apresenta para o alfabetizador: a compreensão de que as variáveis que caracterizam a influência da fala no processo de alfabetização estão relacionadas ao efeito de fatores lingüísticos e não lingüísticos, a exemplo do grau de formalidade do discurso, que atua de forma significativa quando o indivíduo estabelece parâmetros para falar e escrever “certo” e “errado”. Como observa Mollica, (2000:15), sobre o entendimento do continuum falaescrita:

 

“As marcas lingüísticas sujeitas à variação dependem da ação das variáveis estruturais, sociais e outras que tais, empregadas com maior ou menor probabilidade: uma taxa alta de um dado conjunto de marcas configura então um padrão lingüístico. Admite-se que exista pelo menos uma variedade (norma ou padrão) popular e uma variedade (norma ou padrão) standard. Entende-se por padrão culto um certo conjunto de marcas lingüísticas em acordo ou desacordo com os cânones da tradição gramatical: a variedade não-standard é própria da modalidade oral, utilizada em contexto informal, de discurso espontâneo, não planejado. Ela se diferencia da denominada variedade culta ou norma culta, que se compõe de empregos típicos de discurso planejado, utilizada predominantemente na escrita e comprometida com a tradição literária.”

 

Com base nesta fundamentação teórica, os alfabetizadores encontram referencial para compreender que fenômenos morfossintáticos no Português, como variação na concordância nominal, apresentam uma forte influência de fatores sociais. Tal fato torna necessária a elaboração de exercícios específicos com as marcas relacionadas às variantes padrão e popular, com o objetivo de se lidar com preconceitos lingüísticos relacionados a variedades características de cada um dos estratos sociais, tanto na fala quanto na escrita.

 

Propostas pedagógicas dentro e fora do texto

 

Entendemos que os tópicos em Lingüística aqui discutidos são de grande relevância para a formação do alfabetizador quanto à formulação de atividades pedagógicas em EJA pois fornecem instrumentos para se trabalhar com as informações obtidas nas aulas iniciais a serem realizadas com os alfabetizandos de sua classe. Neste sentido, afirma Mollica (2007:67):

 

“O arcabouço teórico-metodológico da Teoria da Variação, cujos pilares encontram-se no texto emblemático de Weinreich, Labov & Herzog (1968), apresenta-se como contribuição pontual ao ensino, já que subsidia teoricamente trabalhos sobre fatos lingüísticos variáveis, sua causa e seus contextos mais prováveis de uso. Tornou-se importante analisar o uso no seio das comunidades de fala, correlacionando os empregos variáveis da língua a aspectos lingüísticos e sociais, antes julgados como aleatórios, verificando-se a existência da heterogeneidade sistemática.”

 

Labov (2007:2), ao expor as bases de um programa de Letramento fundamentado nos pressupostos da Sociolingüística, evidencia a importância da ligação entre pesquisa e prática pedagógica:

 

The content and pedagogical approach of Spotlight is the result of ten years of research on the decoding abilities of struggling readers in low income schools. The decoding problems that are the focus of Spotlight have emerged from the results of intervention programs with almost 1,000 children in the 2nd through 5th grades of inner city schools in Philadelphia, Atlanta and Southern California, equally divided among White, African American and Latino children. The identification of reading problems and the approach to reading improvement draw upon three types of research:

(1) Linguistic analysis of reading errors in a computer-controlled pre- and posttest of the reader’s knowledge of graphemicphonemic relations.

(2) Sociolinguistic studies of children’s home language, in and out of school

(3) Studies of the relative success of various methods of countering alienation

from reading and the school process.

 

Por fim, é importante observar que Scliar-Cabral (2006) ressalta a importância de se investir na formação contínua do alfabetizador. Assim, os subsídios sociolingüísticos para a formação dos alfabetizadores devem apresentar as noções fundamentais a serem aprofundadas na formação continuada, de modo que possam formar o referencial do alfabetizador para a construção de seu próprio material pedagógico. Ao longo de sua experiência, os alfabetizadores realizam, então, por si próprios, a transferência de parâmetros entre letramento escolar e social.

 

Referências bibliográficas

 

BORTONI-RICARDO, S. M. “O estatuto do erro na língua oral e na língua escrita.” In: GORSKY, E. C. & COELHO, I. Sociolingüística e ensino: contribuições para o professor de língua. Santa Catarina, Editora UFSC, 2006, pp. 268-76.

 

BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

 

LABOV, W. Sociolingüistics patterns. Philadelphia: University of Pennsylvannia Press, 1972.

 

LABOV, W. Spotlight on Reading. Philadelphia: University of Pennsylvannia, 2007.

 

MOLLICA, M, C. Influência da fala na alfabetização. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.

 

MOLLICA, M, C. Da linguagem coloquial à escrita padrão. Rio de janeiro: 7Letras, 2003b.

 

MOLLICA, M. C. Fala, Letramento e Inclusão Social. São Paulo: Contexto, 2007.

 

MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L. Introdução à Sociolingüística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003.

 

MOLLICA, M. C. & LEAL, M. “Português e Matemática: parceria indispensável em política educacional.” IN: DA HORA, D. et alii (orgs). Lingüística: práticas pedagógicas. Editora Pallotti, Santa Maria, 2006, pp. 33-54.

 

NARO, A.; SCHERRE, M. Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

 

SCLIAR-CABRAL, L. “Revendo a categoria no alfabeto funcional.” IN: GORSKY, E. C. & COELHO, I. Sociolingüística e ensino: contribuições para o professor de língua. Santa Catarina, Editora UFSC, 2006, pp. 57-68.

 

Weinreich, U., Labov, W.; Herzog, M. Empirical fundations for a theory of language change. Directions for Historical Linguistics: a Symposium. Austin: University of Texas Press, 1968.

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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