De: Paulo Ghiraldelli Jr <
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Assunto: [PBF] Carta da professora de filosofia ao Ministro (repassem, vale
a pena!)
Para:
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Data: Quinta-feira, 17 de Julho de 2008, 17:37
São Paulo, 16 de julho de 2008
Prezado Sr. Fernando Haddad
Ministro da Educação do Brasil
Sou professora da rede estadual de ensino, no Estado de São Paulo. Estou há
três décadas no trabalho do ensino. Nunca pedi licença médica e tenho
pouquíssimas faltas. Fui casada e tenho um filho, que criei sem pedir pensão
para meu marido que, por razões que não vem ao caso, não podia arcar com tal
despesa.
Senhor Ministro, eu poderia tratá-lo de você, pois é bem mais novo que eu,
é menino ainda. Mas, dado estar em um cargo do governo, vou usar o Sr.,
mas isso não implica em um tratamento para colocar distância, como os
antigos faziam em jornal do interior.
Assisti ao programa do Jô Soares, quando de sua entrevista. Vi que uma moça
fez uma pergunta ao senhor, sobre filosofia e sociologia no ensino médio.
Ela queria saber o que o senhor faria para preparar melhor esses
professores. O senhor repetiu as informações que o Jô já havia passado e que
está nos jornais, a respeito da lei que colocou a filosofia e a sociologia
no currículo da escola média. O senhor não tinha nenhuma proposta para
dizer, e não respondeu a pergunta da moça. Fiquei bem decepcionada.
O senhor também disse que falta dinheiro para a educação. Como outros que
passaram pelo seu cargo, o senhor tratou logo de culpar o passado pela falta
de dinheiro. Ou seja, o governo do Presidente Lula não teria
responsabilidade sobre o assunto, mesmo já estando em segundo mandato. Os
responsáveis seriam os antecessores. Vi sua resposta como uma fuga.
Esperava mais, mas nada apareceu na entrevista de novo além do fato de que o
senhor tem tempo para fazer aulas de lutas marciais três vezes por semana. E
no meio dessa informação, vi também que o senhor se vangloriou por ter
conseguido aprovar o piso salarial para os professores - 950 reais para
2009. Nesse caso, penso que a questão das lutas marciais vem a calhar. Por
favor, preste atenção.
A compra de supermercado que faço para minha casa, para duas pessoas, fica
em 200 reais mensais. O aluguel de nosso pequeno apartamento, de apenas dois
minúsculos quartos, é de 400 reais. Gasto 150 reais de transporte coletivo
no mês. A Internet que temos - como necessidade de trabalho - dá um gasto de
70 reais, e a velocidade é a mais baixa do Speed. Compro livros e, em geral,
gasto nisso algo em torno de 50 reais no mês. Tento economizar nisso, mas é
impossível na função de professora não comprar livros. Mantenho-me
atualizada em cinema, para poder conversar com os jovens para quem dou
aulas, e isso leva do meu orçamento mais 40 reais no mês. Meu filho não tem
ainda 18 anos, mas trabalha e ajuda em casa, e graças a isso quase
conseguimos fechar o mês. Não posso contar com todo o dinheiro dele, pois
ele paga escola e condução. Ele dá duro em uma firma de fotocópias, e chega
esgotado para ir para a escola. Também chego tarde do serviço, pouco nos
vemos. Não é uma vida fácil. Quando ficamos doentes, nosso orçamento estoura
- a farmácia é um local que não podemos entrar sem sair de lá com no mínimo
uns 50 reais gastos - isso é batata. Felizmente, gozamos de boa saúde.
Bem como o senhor pode ver, a soma de meus reduzidíssimos e espartanos
gastos é maior do que os 950 reais do piso salarial em determinados meses, e
noutros, empata. Até meados de 2009, eu estarei gastando mensalmente mais do
que os 950 reais.
Mas há algo ainda mais triste. Li que os 950 reais nem são para 2009, na
realidade. Pois deverão ser alcançados gradativamente, num prazo maior,
que poderá chegar até a mais que 2010. Isso é tudo? Não! Há algo mais
perverso nessa conversa: as estatísticas governamentais (e só elas) dizem
que a maioria dos professores ganha mais do que o piso, e que por isso o
senhor está rindo à toa ao aprovar o piso, pois considera muito bom para
os professores. Senhor Ministro, há erro nisso. Os professores vão ganhar
por 40 horas os 950 reais, e isso não pode ser comemorado, pois a profissão
continua sendo desprestigiada com tal salário. Pois em vez do senhor ficar
preocupado em comparar o nosso salário com o de outras profissões com igual
anos de estudo, o senhor faz comparações regionais que não levam em conta
também os gastos de cada um em cada região. Não é verdade que quem está em
uma região mais pobre e ganha menos tem um custo de vida menor do que quem
está em São Paulo. Cada local tem especificidades, e no geral, a verdade é
que com esse piso a profissão de professor não melhora em nada, pois
continua sendo uma profissão que, se a abraçamos inteiramente, não nos dá
sustento.
Ora, mas se a profissão de professor é para ser um bico, como podemos ter
outro trabalho se a jornada por 950 reais é de 40 horas? Não posso vir
trabalhar em três períodos, pois o terceiro turno eu tenho de fazer no
serviço de casa, além de ter de corrigir provas, preparar aulas, estudar,
cuidar do meu filho etc.
Além disso, a comparação do senhor está errada, por outra razão: quando eu
era uma estudante de colégio, meus professores viviam com um salário
proporcionalmente maior do que o que tenho hoje, e tinham melhores condições
de trabalho. Estudei mais que eles, para ganhar menos. O senhor é mocinho, e
tudo indica que veio de família rica. Não sei se entende o que é o Brasil e
o que foi o Brasil.
Bem, chego então na questão das lutas marciais. Vi que o senhor tem uma
barriga. Ainda moço, mas já tem uma barriga. As aulas de luta marcial que
faz não estão ajudando, não é? Os ricos sempre comem mais do que podem tirar
com a ginástica. Então, minha sugestão, com o devido respeito, é a seguinte:
tente fazer a minha vida por apenas um mês, pegando ônibus e enfrentando
classes de adolescentes, lecionando seriamente. Volte para a casa e faça a
janta. Limpe a casa uma vez na semana. Em um mês, eu garanto, verá que as
aulas de luta marcial são ineficientes para tirar a barriga, e que o que eu
faço, sim, dará ao senhor um corpo sem malhado. Não sei se dá saúde, mas
cansaço físico e mental insuportável, isso dá.
Não estou reclamando, minha carta é apenas para mostrar que e o que eu faço
talvez até dê mais saúde do que outras profissões. E o senhor poderia
participar desse programa, nem que fosse por um pequeno período
experimental. É sério, sem demagogia, o senhor deveria experimentar, por um
mês, tentar viver com 950 reais dando aula aqui no Estado de São Paulo. Aula
no Ensino Médio, em escola pública. Tenho certeza que após tal experiência,
o senhor iria se tornar um Ministro da Educação melhor.
Agradeço demais por ter lido minha cartinha.
Sua admiradora,
Ana Luísa Costa Matos, professora de filosofia da Rede Estadual (Fonte: CVL)