Cineasta afinado

Vladimir Carvalho comemora lançamento triplo: o DVD do documentário O engenho de Zé Lins e duas biografias, uma delas em cordel

Lúcio Flávio
Da equipe do Correio

Fotos: Zuleika de SouzaCBD.A Press
“Todo documentário, por mais radical que seja, tem um fundo biográfico”, ensina Vladimir Carvalho

O Troféu Conterrâneos vai para o melhor documentário no Festival de Brasília

Imprensa OficialDivulgação
PEDRAS NA LUA e PELEJA NO PLANALTO
De Carlos Alberto Mattos. Imprensa Oficial, 330 páginas, R$ 15.

ImovisionDivulgação
O ENGENHO DE ZÉ LINS
De Vladimir Carvalho. Imovision, em DVD, 90min. Classificação indicativa livre, R$ 39.
 
Um dos ídolos do cineasta Vladimir Carvalho na infância era o escritor paraibano e conterrâneo José Lins do Rêgo. A admiração era tanta que, na adolescência, o diretor perdia horas e horas na frente do espelho, na vã tentativa de alinhar o penteado à moda do mestre. “Ele era moreno como eu e eu sempre fui míope e usava óculos desde pequeno. Então penteava o meu cabelo, olhava no espelho e me sentia como se fosse o Zé Lins”, recorda, entre gargalhadas, Vladimir Carvalho, que acaba de lançar pela Imovision o DVD do documentário O engenho de Zé Lins. O lançamento oficial está marcado para o fim do mês, durante o 41º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

“Desde pequeno, minha alfabetização foi afinada com as fabulações das histórias de meu pai e com a literatura do Zé Lins”, revela o cineasta, que aproveitará a oportunidade para lançar os livros ABC de Vladimir Carvalho, escrito pelo poeta Gustavo Dourado, e Pedras na lua e peleja no Planalto, biografia redigida pelo crítico de cinema Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.

Dos três projetos, o que mais se destaca é o livro da Coleção Aplauso, projeto que cativou a admiração do cineasta. “Embora seja um livro na primeira pessoa, o processo de criação se deve a Carlos Alberto Mattos. Se é uma obra plausível, de muito valor para mim, isso se deve ao trabalho dele”, elogia. “Me senti retratado de corpo inteiro. No processo de compilação, ele separou o joio do trigo, e o trigo dourado é dele, ele deu ordem em todo o borbotão de vidro que coloquei”, observa.

O título, referência à literatura de cordel, brinca com as raízes nordestinas de Vladimir, sua dedicação aos temas e extensa atividade realizada na capital brasileira, lugar que o paraibano de Itabaiana adotou como segundo lar. “Foi uma criação conjunta”, conta Carlos Alberto Mattos, autor da obra. “Pedras na lua foi o título que dei ao capítulo que trata do curta A pedra da riqueza. Isso cobre, digamos, sua produção nordestina. Eu procurava um complemento que expressasse sua produção brasiliense quando ele sugeriu Pelejas no Planalto. O tom de cordel ficou perfeito.”

Estudioso do gênero documental e admirador da obra do diretor paraibano, Carlos Alberto Mattos – que já havia escrito três títulos para a coleção, sobre Carla Camurati, Jorge Bodanzky e Maurice Capovilla –, acompanha a carreira de Vladimir de longa data. “Desde O país de São Saruê (1971), a obra de Vladimir sempre me interessou vivamente. Acho uma das mais criativas no campo do ensaio documental de fundo político e poético”, aponta.

Em versos
Ainda em fase de finalização, ABC de Vladimir Carvalho, escrito pelo poeta, ensaísta, pesquisador e cordelista Gustavo Dourado, baiano radicado há mais de 30 anos em Brasília, narra em versos a saga cinematográfica do diretor. “Vladimir, Ariano Suassuna e Glauber Rocha são verdadeiros mestres da cultura brasileira e universal”, diz Dourado, que tem vertido para a literatura de cordel a trajetória de grandes nomes da arte brasileira. “O cinema não poderia ficar de fora, como arte-síntese. E Vladimir sempre foi uma referência para mim, desde os meus 16 anos, nos primórdios do meu tempo de cineclubista.”
Lançado em DVD dois anos depois de levar os prêmios especial do júri e montagem do Festival de Brasília, O engenho de Zé Lins compõem um ensaio poético sobre a trajetória de um dos nomes mais importantes do regionalismo brasileiro. Tocado por forte carga reminiscente, instintivamente pincela passagens da vida do próprio Vladimir, assim como José Lins do Rêgo, visceralmente ligado ao universo dos engenhos e usinas de açúcar localizados à margem do Rio Paraíba, espinha dorsal da economia paraibana na época.

“Todo filme é autobiográfico porque a gente fala de alguma coisa que está lidando. Por mais radical que seja um documentário, no fundo ele tem um viés biográfico”, comenta Vladimir, que começou a esboçar um projeto envolvendo o ídolo dele há cerca de 25 anos. “Quem conhece o meu trabalho sabe que me preocupo com o movimento da sociedade, ou seja, a economia, política, enfim, temas que sempre permearam a minha trajetória”, conta. “Tempos atrás, pensei em fazer um filme sobre o Rio Paraíba e naturalmente esbarrei no Zé Lins, porque toda a sua literatura está impregnada desse universo. Talvez eu quisesse fazer um filme sobre o Zé Lins, mas não tinha muita consciência disso.”

Um dos atrativos dos extras – que conta com entrevistas de nomes como os críticos Amir Labaki e José Carlos Avelar, além do irmão Walter Carvalho – é o depoimento de Vladimir sobre o encontro com um neto de José Lins do Rêgo, vizinho no prédio onde morava no Rio de Janeiro. “Um belo dia, toca a campanhia lá de casa e eis que surge um homem grisalho, de óculos, para reclamar sobre uma infiltração do meu banheiro que estaria vazando na casa dele”, recorda. “Convidado para ir à sua casa, me surpreendi, logo na entrada, com um enorme retrato do Zé Lins com uma criança no colo. Mal sabia que o meu vizinho era o neto do meu grande ídolo de infância”, conta, emocionado.

No Festival de Brasília deste ano, Vladimir Carvalho participará de duas mesas-redondas em homenagem a dois representantes do cinema novo: Nelson Pereira dos Santos e Leon Hirszman. “São duas figuras emblemáticas do cinema brasileiro dos últimos 40 anos, será uma honra enorme”, destaca o cineasta, que no momento pesquisa imagens para o próximo projeto, um documentário sobre as bandas de rock brasiliense. “Não é um assunto do qual tenho intimidade, sou um nordestino admirador de baião e Mozart, mas é um capítulo importante da cultura do Brasil que pretendo rememorar”, antecipa o cineasta. Em dezembro, ele viajará para a Argentina, onde participará de uma mostra sobre seus principais filmes, além de ministrar oficina sobre documentários, no Centro de Estudos Brasileiros.


TROFÉU DEFINITIVO
Conferido a cada dois anos pela Fundação Cinememória, entidade criada por Vladimir Carvalho, o Troféu Conterrâneos é destinado ao melhor documentário em competição no Festival de Brasília. O último vencedor do certame foi o filme Pixinguinha e a velha guarda, de Thomas Farkas. Idealizado há mais de 20 anos pelo diretor, o ganhador do prêmio sempre era agraciado por um objeto simbólico escolhido aleatoriamente. A partir deste ano, o troféu ganha forma definitiva, criado por Mara Nunes. Confeccionado a partir de metal carbono e banho de cobre, o singelo objeto funde a imagem de uma moviola a um sol. “É uma obra interativa, que passa a idéia de movimento como o cinema”, destaca a artista, admiradora do trabalho do diretor há anos. “Escolhi o sol porque ele é conterrâneo de todos nós”, poetiza.


ABC DE VLADIMIR CARVALHO
De Gustavo Dourado. Edições Cinememória. Ainda em fase de finalização.
Ouça podcast: com o diretor

Categoria pai: Seção - Notícias

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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