Aos 200 anos de idade desafio é manter qualidade e ampliar acesso
O Ensino Superior brasileiro ganhou mais de 4,5 milhões de novos estudantes entre os anos de 1980 e 2006. Os dados são resultados da comparação dos últimos censos da Educação Superior do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Entretanto, a evolução do sistema não se restringe à expansão do acesso. Em seus 200 anos de história, completados neste ano, as transformações atingiram os números de instituições e cursos, que se multiplicaram, bem como a estrutura e a organização do setor, que se modernizou.
Dos três institutos isolados criados com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, o sistema nacional de Ensino Superior se transformou numa rede com mais de 2.480 universidades, faculdades e centros universitários. O que antes se restringia à elite das principais capitanias - Bahia e Rio de Janeiro -, se torna realidade para 5,9 milhões de brasileiros, representantes de diversas classes sociais e todas as regiões do País. O ensino especializado fica mais abrangente. As opções também se ampliaram. Medicina, Engenharia e Artes, que foram as áreas pioneiras, são hoje parte de um espectro composto por mais de 38.233 cursos. Sem contar os 909 cursos seqüenciais que completam a lista de ofertas do Ensino Superior brasileiro.
Apesar dos avanços parecerem positivos, eles ainda não são suficientes para atender a demanda do País. Atualmente, segundo dados do MEC (Ministério da Educação), apenas 12,1% dos jovens entre 18 e 24 anos estão no Ensino Superior. Índice muito aquém das nações de primeiro mundo ou mesmo de países em desenvolvimento mais adiantados que o Brasil. A Coréia do Sul, por exemplo, tem 89% desse público matriculado no Ensino Superior. O desempenho brasileiro também é inferior ao dos países da América Latina, como é o caso do Chile (21%) e da Argentina (47%).
De acordo com o especialista em políticas educacionais e professor da Unesp (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho), João Cardoso Palma Filho, as comparações não podem avaliar os dados isoladamente. A criação do Ensino Superior brasileiro foi tardia, aponta. Palma Filho destaca que, diferentemente dos países colonizados pela Espanha, o Brasil ganhou a primeira faculdade depois de 308 anos do descobrimento. A primeira universidade do Peru, por exemplo, foi implantada em 1558, compara ele.
Há certo consenso de que houve caminhos diferentes adotados por Espanha, França, Holanda e Inglaterra em relação àquele escolhido por Portugal no que diz respeito à criação ou não de universidades no Novo Mundo. De um lado, Portugal, que enxergava os estudos como ameaça a seus principais objetivos: usufruir a riqueza brasileira. Os demais decidiram compartilhar as tradições intelectuais com suas colônias. O Brasil era uma colônia de exploração. Já os Estados Unidos foram criados para a construção de nova nação e receberam os melhores recursos para se desenvolver, afirma o presidente da Andifes (Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Amaro Lins.
Para o presidente da ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância), Fredric Michael Litto, a ameaça para Portugal estava na formação de cidadãos pensantes. As universidades são espaços que estimulam as pessoas a serem mais críticas e isso colocava em xeque os ideais da corte portuguesa, explica ele. No entanto, a ausência de Instituições de Ensino Superior não significava a inexistência de acesso à educação profissionalizante. Entre 1772 e 1800, segundo o livro 1808, de Laurentino Gomes, 527 brasileiros embarcaram a Portugal para se formar na Universidade de Coimbra, centro de formação da elite intelectual. A procura maior era pelo curso de Direito, 64% dos estudantes eram formados em advocacia.
Depois da independência
O atraso do Ensino Superior brasileiro não se restringe apenas aos 308 anos em que o sistema foi ignorado. A negligência é histórica e política, mas não é exclusividade da Colônia. O Império e a República também reforçaram o retrocesso do setor, acredita o presidente do Crub (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras), Gilberto Gonçalves Garcia. Na opinião dele, o cenário só começou a ser modificado quando o Estado passou a enxergar a educação como um dos pilares para o desenvolvimento da nação. Isso aconteceu em meados do século passado, mais especificamente na Era Vargas. Foi nessa época que se criaram as bases para o sistema educacional, diz ele.
Outro aspecto que também emperrou o desenvolvimento do Ensino Superior do Brasil foi os altos índices de analfabetismo. O jornalista Laurentino Gomes aponta em seu livro que, em 1818, na cidade de São Paulo, apenas 2,5% dos homens livres em idade escolar eram alfabetizados. Além disso, mesmo com a criação das primeiras instituições no País, não existiam livros traduzidos para a Língua Portuguesa. Portanto, só a elite tinha o privilégio de ter acesso ao ensino, diz Palma Filho. Para ele, o processo de crescimento do sistema foi lento porque a população brasileira não tinha nem ao menos a conclusão do Ensino Médio. Só a partir da universalização do ensino básico, meados da década de 60, que foi possível avançar com mais notoriedade, acrescenta ele.
Nesses últimos 200 anos o Ensino Superior passou por algumas mudanças. Foram mais de 10 reformas educacionais. Reparos que começaram a partir de 1890, com o então Ministro de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant, e se estendem até hoje, com a nova proposta do ex-ministro da Educação, Tarso Genro, que tramita no congresso nacional.