Da equipe do Correio

Eles já são vitoriosos. Vinte remanescentes de um grupo de 120 alunos que começaram o ano letivo no cursinho Pré-Loyola em fevereiro deste ano. Mas querem mais. Querem superar definitivamente o destino das gerações anteriores. Querem romper as barreiras da pobreza que tanto se faz presente na casa de cada um. E, principalmente, querem deixar orgulhosos os pais que mal sabem ler ou escrever e ganham a vida como diaristas, serventes ou pedreiros. E ninguém pense que será fácil realizar esses planos. Para ter uma idéia do desafio, a imensa maioria das desistências veio da falta de dinheiro para o ônibus. Os alunos de cursos preparatório para o vestibular não têm direito a passe estudantil e o custo das viagens supera os R$ 130 por mês.

“Minha mãe ganha uma média de R$ 400 como diarista. É claro que a grana da passagem faz falta”, observa Aline Isabel de Pádua. Aos 17 anos, ela quer ser engenheira florestal, curso, no Distrito Federal, exclusivo da Universidade de Brasília (UnB). A rotina de estudos é pesada para superar a relação de nove candidatos para cada vaga. “Acordo às 5h30 para estudar. Entre segunda e sexta-feira, vou para o cursinho e só volto para casa quando já passou das 22h”, calcula a jovem moradora de Planaltina.

Na noite anterior à aula, Aline prepara, com a ajuda da mãe, as marmitas que levará para o pré-vestibular. São três: um lanche para a manhã, um para a tarde e o almoço. Depois de conhecer a realidade dos estudantes, os jesuítas que financiam o pré-vestibular permitiram que os adolescentes usassem a copa do Centro Cultural de Brasília para esquentar a comida. A medida melhorou em muito a rotina dos jovens. “Arroz e feijão frios não está entre as melhores coisas do mundo”, brinca Aline.

A garota terminou o ensino médio com apenas 16 anos. Boa aluna, estava adiantada um ano em relação aos colegas de classe. O boletim estava cheio de notas azuis, mas, nem com tantos pontos positivos na rotina escolar, a jovem conseguiu entrar na UnB. “Tinha um monte de conteúdo que eu nunca tinha ouvido falar durante o ensino médio”, afirma. Aline estudou a vida inteira em escola pública.

Esse é um dos requisitos básicos para estudar no Pré-Loyola. “A gente só aceita alunos de baixa renda e que sempre estudaram em escola pública. Nosso objetivo é fazer diferença na vida desses meninos”, afirma Gerivaldo Nogueira, coordenador pedagógico do curso. “Aprofundamos conteúdos que muitas vezes passam à margem das escolas públicas e que são exigidos nos exames”, completa o professor de física Francisco Milanez.

Exemplo
No caso de Simone Silva de Jesus, de 18 anos, a diferença foi feita. Depois de cinco meses de aulas, ela derrotou a concorrência de sete candidatos por vaga e passou no curso de biblioteconomia da UnB. Na última semana de aula do cursinho comunitário, ela visitou os amigos e lhes contou como é boa a vida de estudante universitária. “Estou amando. É outro mundo poder escolher que matéria fazer e que turnos são melhores para estudar”, observa. Simone mora em Santa Maria e estudou a vida toda no Gama. “Meus pais fizeram apenas uma parte do ensino fundamental. Eles estão muito felizes com a minha conquista.”

O exemplo de Simone não é raro no Pré-Loyola. Em cinco anos de funcionamento, 150 adolescentes e jovens já entraram no ensino superior. Seja na UnB — dois deles passaram em medicina — ou em alguma instituição particular por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação, que troca vagas em instituições particulares por isenção de impostos. A história dos alunos do cursinho é a quarta da série de reportagens sobre as garantias constitucionais para crianças e adolescentes publicada pelo Correio desde o último dia 19. Trata-se do direito à educação que, de acordo com a lei, é fundamental para o preparo do exercício à cidadania e a qualificação para o trabalho. O acesso à educação surge como fator de transformação social, visando ao combate à exclusão, permitindo que meninos e meninas se desenvolvam e estejam prontos para as exigências da vida em sociedade.

A gratuidade é apenas um dos diferenciais do cursinho. Todos os professores se preocupam em preparar meninos e meninas para o futuro com capacidade de reivindicar os direitos e argumentar sobre os próprios deveres. “As aulas aqui vão além dos conteúdos. A gente aprende a ser cidadão”, analisa Johnatan Reis da Silva, de 19 anos. Neste ano letivo, além da leitura constante de jornais e revistas com debates sobre a conjuntura mundial, houve uma semana de meio ambiente e outra cultural. Bem diferente do estudo no Riacho Fundo, onde mora. “Era comum faltar professor e alguns não apostavam na gente. Tinha uma (docente) que provocava as meninas dizendo que não adiantava estudar porque todas iriam virar vendedora de loja”, completa Bianca de Sousa Rocha, de 18 anos, vizinha de Johnatan e aluna do cursinho. “Aqui, a gente recebe os livros e um ambiente calmo para estudar.”

Concentração
Isso é importante, pois muitos alunos de baixa renda têm dificuldades em encontrar um lugar para estudar. As casas, na maioria das vezes, são pequenas e os irmãos acabam dividindo quarto. “Lá em casa, minha mãe vê muita televisão e minha irmã ouve música”, conta o jovem estudante. Entre os últimos dias do ano e o fim de semana de 17 e 18 de janeiro, data do vestibular da UnB, Johnatan vai deixar a casa da mãe no Riacho Fundo e se alojar em Santa Maria. “Perto da casa do meu pai tem uma biblioteca. Vou passar o dia inteiro lá”, planeja. Com a meta de manter o ritmo dos estudos, ele fez uma planilha de conteúdo. “Vou me concentrar em exatas, pois tenho mais dificuldade”, completa. Johnatan vai fazer um dos cursos mais concorridos da UnB. Comunicação social tem 21 candidatos por vaga. No ano passado, ele entrou na Universidade Católica, mas não conseguiu arcar com os quase R$ 600 de mensalidade. “Isso porque eu peguei poucas matérias.”

Logo nas primeiras semanas de aulas, o rapaz desenvolveu duas certezas. A primeira: ele só poderá conquistar o diploma em uma instituição gratuita. E a segunda: o jovem não vai desistir. “Só vou parar quando me formar”, garante. A mesma determinação tem Janielle Brito da Silva, de 19 anos. Ela sonha em cursar nutrição e vê, em casa, o maior exemplo de perseverança. Aos 40 anos, a mãe voltou para os bancos do colégio. “Minha mãe é guerreira. Decidiu que era hora de batalhar pelo próprio futuro e foi atrás para se formar no ensino fundamental.”


O QUE DIZ A LEI
O direito à educação, garantido em lei, tem por finalidade o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Assim, o acesso à educação surge como fator de transformação social, visando a combater a exclusão, permitindo que meninos e meninas se desenvolvam e estejam preparados para exigências da vida em sociedade. Dessa forma, está garantido o acesso ao ensino obrigatório e gratuito. Cabe aos pais e responsáveis a obrigação de matricular os filhos na escola e controlar a freqüência. Cabe ao Estado oferecer o ensino obrigatório e ao estabelecimento de ensino fundamental comunicar ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos, a reiteração de faltas injustificadas, a evasão escolar e os altos níveis de repetência.


 

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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