Estou de volta a Salvador. Em nenhum outro lugar do Brasil sinto mais fortes nossas raízes. Salvador é uma cidade de arquitetura e traçado portugueses e população africana. Muito sol por aqui, muita música , e daqui a uns dias vamos ter o carnaval. Não estou morta, estou bem viva, graças a Deus, mas não vou atrás do trio elétrico. O abadá é muito caro e , pra falar a verdade, tenho medo de que me pisem nos pés. De fato, nem Caetano ou Gil vão atrás do trio elétrico ( vão lá em cima, no topo do caminhão). Mas acho que já foram atrás dos trios quando esses começaram. Passo os dias embalada pela música da Rádio Educadora da Bahia, trinta anos no ar. Hoje acordei com Elis Regina lamentando ‘tanta gente que partiu, num rabo de foguete...’ E me transportei aos anos sessenta. Essa gente que pegou o rabo de foguete era idealista e ingenuamente convicta de que só a luta armada, à moda do Che, poderia fazer deste país um país justo. Na sua convicção juvenil não se deixava corromper. Como as coisas mudaram... Mas voltemos à música. Até no axé, que eu costumava execrar, tenho percebido uma boa dose de humor pra falar de amor : “A fila andou, eu te falei...” Comprei uma pulseira de balangandãs. Cada pingente é uma homenagem a um orixá. E tem também uma figa, que é pra dar sorte. Em todas as ocasiões. Muito bom pra mim nesse período de pré -aniversário. Ia me esquecendo das frutas... Minha favorita é a seriguela, assim mesmo sem trema. Mas tem o sapoti, que é mais suave, e fruta-do-conde, que alguns conhecem como ata, e que por aqui chamam pinha, e é bem baratinha. Só mesmo a posse do Obama me desconcentrou um pouco dessa busca de baianidade. Se saio de casa, e caminho pela grama do condomínio, já vejo muitos pássaros, o louva-deus ( que não é o inseto, é um passarinho de cabecinha vermelha) e a rolinha fogo-pagou. Mas não a ouvi cantar. Nas imediações de minha casa em Brasília, ela canta o tempo todo. Vi também muitas lagartixas tomando sol, e me lembrei do Sorriso do Lagarto do João Ubaldo: grande autor, grande história na Ilha de Itaparica. E falando nisso, ainda vou dar uma volta no Pelô, para homenagear Jorge Amado e ver a estátua do fundador, Tomé de Sousa, e a de Bispo Sardinha, o primeiro bispo do Brasil, aquele que acabou comido por índios (carijós?) antropófagos. Minha estada na Bahia dura de três a quatro semanas, tempo de recarregar as baterias. Tempo de entrar em harmonia com o que existe de mais genuíno na nossa cultura brasileira .