E por falar em Carmen Miranda . . .

 

Minha filha, Larissa Bortoni, enviou-me ontem (92) o roteiro de um programa sobre Carmen Miranda, a ser veiculado pela Rádio Senado FM, de sua autoria, em parceria com o colega jornalista Maurício De Santis.  Fiquei comovida com o texto, elaborado como se fosse uma sucessão de cartas escritas por minha mãe à sua irmã, falando da grande cantora e atriz.

Mamãe, de fato, acompanhava com interesse a vida da famosa Carmen Miranda. Costumava dizer que tinham a mesma idade, mas verifico hoje que a cantora nasceu em fevereiro de 1909 e minha mãe em janeiro de 1915.

Não sei se você, jovem leitora ou leitor, tem clareza sobre a importância que Carmen Miranda teve na formação de nossa cultura . Quantos brasileiros foram ou são bem conhecidos além das fronteiras nacionais? Contam-se nos dedos das mãos os patrícios que alcançaram alguma notoriedade e têm  seus nomes  citados no exterior. Contemporaneamente, os brasileiros que desfrutam dessa condição são os jogadores de futebol famosos, começando por Pelé, o mais famoso de todos, por Zico , que ficou muito conhecido  no Japão, e os dois Ronaldos, Cacá e Robinho, que, em anos recentes, conquistaram  o título de melhor jogador da FIFA.

Carmen Miranda, portuguesa de nascimento, cresceu no Rio de Janeiro, numa família de imigrantes pobres.  Começou a cantar e gravou seu primeiro disco em 1929. Tinha uma enorme empatia com o público.  Do Cassino da  Urca foi para os Estados Unidos, onde se transformou na Brazilian Bombshell. Chegou a ser a intérprete mais bem paga de Hollywood,  num período dos grandes ídolos do cinema.

O que mais me impressiona em sua carreira foi sua criatividade para criar uma persona, a baiana estilizada  de voz e gestos  sensuais, que acabaria por  tornar-se o próprio símbolo do Brasil no exterior.

A figura da baiana lhe veio da convivência com o jovem compositor Dorival Caymmi, que chegara ao Rio para mostrar o seu talento: “O que é que a baiana tem?” . O chapéu de bananas e frutas tropicais foi certamente ela mesma que criou, pois ela foi chapeleira antes de começar a fazer sucesso como cantora. As sandálias de plataforma também devem ter sido ideia dela, já que elas lhe acrescentavam alguns centímetros preciosos ao seu 1,53 m de altura.

Todos os seus biógrafos são unânimes em afirmar que, não obstante o grande sucesso e a fortuna que amealhou, ela foi muito infeliz, principalmente nas relações amorosas.  Mas essa tristeza não contaminava sua imagem pública, a própria personificação da alegria e da sensualidade dos trópicos.  O depoimento que faço a seguir é muito revelador da importância que ela  assumiu nos Estados Unidos.

Carmen Miranda faleceu prematuramente em 1955, de um infarto fulminante, em sua casa em Beverly Hills, Califórnia. Mais de dez anos depois, tive oportunidade de passar doze meses nos Estados Unidos, cursando o primeiro ano de universidade. Foram muitas as pessoas que, ao me conhecerem, faziam alusão a Carmen Miranda. Creio que era a única referência que tinham sobre o Brasil. Lembro-me  especialmente de um episódio. Eu havia ido com uma colega, de Cleveland, em Ohio, para Jacksonville, na Flórida e nos hospedamos na casa da família dela. Seu pai era um veterano da Guerra da Coreia. Durante todos os dias que passei com eles ele me falou de Carmen Miranda, como ela havia encantado a vida dele e de seus amigos.

Na década de sessenta, a figura da baiana, de lindas curvas e turbante de frutas, foi aos poucos cedendo lugar à figura da ‘girl from Ipanema’,  já que a música de Tom Jobim e Vinícius de Moraes tocava sem parar no rádio e nas  caixas de música em todos os bares. Mas não se pode esquecer que, por muitos anos, para os norte-americanos, tão etnocêntricos e ignorantes de tudo o que existe ao sul do Rio Grande, o Brasil permaneceu associado à imagem de uma jovem mulher, alegre, de olhos verdes, equilibrando bananas na cabeça, que cantava e acompanhava o ritmo de suas canções com o movimento dos quadris e um jeito sestroso de mexer as mãos. “Quando você se requebrar caia por cima de mim, caia por cima de mim, caia por cima de mim”.

 A persona criada por Carmen Miranda como símbolo do Brasil foi também assimilada pelos próprios brasileiros e é até hoje um ícone da cultura nacional.  Comandou o movimento da Tropicália e foi cantada em prosa e versos por Chico Buarque e Caetano Velloso, no  momento mágico em que regravaram a canção “ Nós somos as cantoras do rádio”, originalmente conhecida nas vozes de Carmen e sua irmã Aurora Miranda, nos dias de glória do Cassino da Urca, nos idos de 1940.

 

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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