O mundo hoje está pior que há um século? Claudio de Moura Castro (Veja, 18 de fevereiro de 2009,) reúne muitos dados e responde negativamente a essa pergunta, sustentando a epígrafe de seu artigo: “Como disse lorde Rees de Ludlow, para a maior parte das pessoas, na maior parte das nações, nunca houve um momento melhor para viver” .
Segundo o articulista da revista Veja, na última década reduziram-se em 40% as guerras. Nas que ainda nos afligem, pelo menos um dos lados contendentes é um regime ditatorial. Relacionado a esse dado, vemos que as mortes violentas que ceifavam as vidas na população masculina chegaram a ser 25% e hoje são só 2%.
O avanço das ciências contribuiu muito para melhores condições de vida, até mesmo na prevenção e socorro no caso de desastres naturais. Ocorre-me como exemplo a incidência dos tsunâmis. O que atingiu Lisboa, no século XVIII, praticamente arrasou a cidade. O que não foi alagado foi destruído posteriormente pelos incêndios. Atualmente há tecnologia que permite prever a invasão das ondas gigantes, e, o que é melhor, não são apenas os países industrializados que se podem beneficiar dessa tecnologia.
A educação, que era universal há alguns séculos em certos países do Hemisfério Norte, como a Grã Bretanha, agora está atendendo a quase toda a população em países como o Brasil. Ainda não tem a qualidade desejada, mas a que tínhamos há um século também não primava pela qualidade, e só contemplava a parcela mais abonada da população.
Ainda segundo Moura Castro, o Brasil em 1900 era como a Bolívia de hoje, e a renda per capita da Argentina, que já foi cinco vezes maior, hoje é quase igual à nossa . Entre 1870, no Brasil de D. Pedro II, e 1987, o PIB brasileiro cresceu 157 vezes, o japonês 87, e o americano 53, sempre de acordo com o artigo citado.
Lembro-me de meu pai dizendo às filhas: _ Não é para a minha geração, mas a geração de vocês facilmente viverá mais de oitenta anos. Ele, de fato, viveu até os 86, não obstante a infância pobre, o primeiro de uma prole de oito, de um filho de imigrante italiano, que chegou ao Brasil, mais propriamente a Minas Gerais, no final do século dezenove. Vários dos irmãos conseguiram fazer curso superior.
Esses dados relativos ao mundo contemporâneo e particularmente ao Brasil nos permitem ser otimistas e acreditar que estamos finalmente chegando ao ‘Brasil do futuro’. Um professor da Universidade de Pennsylvania, William Labov, conhecido sociolinguista, com quem fiz um estágio de pós-doutorado, comentou comigo, sem intenção de ofensa: desde sua escola primária ouvia dizer que o Brasil seria o país do futuro. Quando, ele me perguntava, vai chegar o futuro para o Brasil? Isso foi em 1990. Indagada hoje, eu teria uma resposta mais consistente para dar a ele, pois eu me alinho com os otimistas.
Há dois fenômenos sociais que considero de importância fundamental para o advento das mudanças na face deste país. O primeiro, revelado pelos resultados da PNAD, de 2008, diz respeito à taxa de natalidade nas famílias brasileiras. Mesmo não contando com uma política oficial de planejamento familiar, sempre combatida pela Igreja Católica, os brasileiros nas últimas décadas reduziram significativamente o número de filhos, por casal. Já se tem consciência de que quantidade, nesse particular, é inversamente proporcional à qualidade de vida.
O segundo é também de natureza sociocultural. De uns tempos para cá, e eu não saberia precisar quando, nós brasileiros nos convencemos de que é exclusivamente responsabilidade nossa fazer este país progredir. Já não é o caso de atribuir o sono em berço esplêndido à pressão do imperialismo yankee, nem ao atraso da colonização portuguesa do Santo Ofício , quando comparada à inglesa e protestante, por exemplo. Entenderam os brasileiros que não temos de buscar responsabilidades alhures. A responsabilidade é nossa. Temos de trabalhar e aprender a produzir com eficiência; temos de prover nossas crianças com boas escolas; temos de preservar o regime democrático, pois o respeito à liberdade é condição, senão necessária, pelo menos facilitadora da produção de riquezas.
Ainda temos muito que fazer: melhorar a distribuição de renda, sem depender somente de políticas assistencialistas; garantir a qualidade do trabalho pedagógico; coibir a violência, essa última uma consequência das duas primeiras metas. Minha geração cresceu ouvindo falar que, além da saúva, o grande mal do país era a exploração imperialista dos norte-americanos. Hoje sabemos que não há que lamentar. É preciso concorrer com eles e já começamos a fazer isso, apesar do ônus da nossa deficiência de infraestrutura e da formação inadequada de nossos jovens, especialmente no ensino médio. Mas pelo menos já sabemos que alterar essas condições é tarefa nossa. É mais que tarefa, é dever nosso, pois temos a obrigação de legar às novas gerações um Brasil muito melhor do que o que temos hoje. www.stellabortoni.com.br
(Férias em Salvador, BA, 17 de fevereiro de 2009)