Carnaval na Bahia com Franz Schubert  e rock and roll.

 

Tenho acompanhado o carnaval da Bahia e tudo o mais que acontece nesta capital de Todos os Santos pela Rádio Educadora FM ( cento e sete ponto cinco; cento e sete  ponto cinco).

Sempre que estou em casa, às  18 horas, ligo o rádio para ouvir a Hora do Ângelus. A Educadora manteve a tradição de tocar uma Ave Maria às seis horas da tarde. Sei que algumas emissoras ainda  prestam essa homenagem aos católicos, mas não são muitas. Eu gosto muito da Ave Maria de Franz Schubert. Quando vou a cerimônias religiosas de casamento, aguardo com ansiedade o momento final, do cortejo dos noivos e seus pais e padrinhos. Com frequência,  eles desfilam pela ala central do templo, ao som de Schubert.

Ontem, cumpri minha rotina e localizei a Educadora no dial do rádio mas, para minha surpresa, a música entoada foi um hino ao Senhor do Bonfim. Que me pareceu mais um hino cívico, daqueles que aprendíamos na escola, que um canto religioso.

Compreendi a intenção da emissora, ao procurar abrasileirar a Hora do Ângelus, preservando seu caráter religioso. Poderiam também ter tocado a Ave Maria do Morro de Herivelto Martins, mas talvez essa não seja muito percebida como um hino religioso.  Senti, contudo, falta do Schubert. Para ser franca, nem me lembro mais de que é austríaco. Para mim sua obra mais conhecida já faz parte do acervo da humanidade. Não é uma ‘lied’ vienense, é uma canção que me emociona, cujas palavras em latim eu procuro acompanhar. Quando a ouço, depois me pego, muitas vezes, cantarolando a oração, embora eu saiba que não se trata de música para ser cantarolada distraidamente, enquanto executamos alguma tarefa  doméstica. Para não ficar muito frustrada ouvi hoje no You Tube essa Ave Maria  na voz de Luciano Paravotti. Uma beleza.

O carnaval de Salvador surpreende. As atrações principais são os trios elétricos, onde se apresentam as celebridades da música baiana. Custa caro sair atrás de um trio, dentro das cordas, onde ficam os privilegiados que pagaram uma boa grana pelo abadá.  Do lado de fora da corda ficam os pipocas, que não têm abadá. A imprensa local critica essa situação, pouco democrática na visão dos jornalistas. Mas há trios sem corda, tipo zero oitocentos, gratuitos e   os blocos tradicionais,  que saem pelo Pelourinho, com uma bandinha de sopro à  frente, tocando furiosamente “Mamãe eu quero”; “Eu fui às touradas de Madri, para rá tim bum,  bum, bum”;  “Ô jardineira por que estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu?” . E tem sucessos de Emilinha Borba, Linda Batista, Blecaute ...  Misturam marchas de  décadas distantes entre si. Depois de tocar marchinha cantada por  Carmen Miranda: “Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim...” ou composição   de Braguinha: “Chiquita bacana lá da Martinica”,  seguem com  Blecaute: “Menina, vai, com jeito vai, senão um dia, a casa cai”   e emendam Moacir Franco: “Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí”.

Uma vez, há poucos aos, acompanhei um bloquinho desses, o Dois de Fé,  e tive uma enorme sorte. A menina que seria porta-bandeira não compareceu. Como a roupa de baiana , linda, azul e branca, em homenagem à Iemanjá, me servia, perguntaram se eu não podia levar o estandarte. Aceitei sem titubear.  Foram meus quinze minutos de glória, que duraram umas três horas, subindo e descendo as ladeiras do Pelô. Nunca me senti mais importante na vida. Conto essa história e muitos não me levam a sério. Acham que estou delirando. Pois é pura  verdade. Pena que não haja fotos para confirmar minha apoteose carnavalesca.. Mas há algumas testemunhas oculares do evento.

 Hoje, enquanto rememoro essa minha passagem  gloriosa pelo carnaval da Bahia, ouço rock and roll. É que aqui perto, na área de coqueiros de Piatã, a prefeitura monta um palco para uma tribo muito especial de rock pauleira. São  jovens vindos de todo o país, vestem-se de preto e tocam uma música que alguém, de minha idade, tem problema em reconhecer como tal.  Mas, aparentemente, se divertem muito, e não deixam de comparecer ano após ano.  Eles têm direito ao tipo de carnaval que os faz felizes, assim como eu fui muito feliz naquela vez que saí de baiana, à frente do nostálgico bloquinho de carnaval.

Salvador, 21 de fevereiro de 2009 .

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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