Hoje não é domingo mas me permiti dar uma volta a pé. Procurei em vão passarinhos pelo meu trajeto. Vi só umas andorinhas voando alto, nenhum outro pássaro se arriscava a desafiar o calor do início de outono no cerrado. Quem compareceu foram alguns lagartos. Sempre que os vejo me lembro de João Ubaldo e seus romances maravilhosos. Entre os contemporâneos, ele é meu escritor favorito. No bric-à-brac de pensamentos que povoavam minha mente enquanto caminhava, me detive na novela. Sim, eu vejo novela. Uma de cada vez, porque mais que uma me deixa entediada. Agora estou vendo “Caminho das Índias”.
A novelista Glória Perez é famosa pela inclusão em suas criações de um pouco de ficção científica, como no ‘Clone”, ou pela ambientação de suas histórias em países exóticos e distantes. Mas há um tema sempre recorrente em suas novelas, às vezes envolvendo os protagonistas, às vezes em tramas paralelas. Estou falando de jovens enamorados que, no auge de sua paixão, são obrigados a se separarem.
Na novela em cartaz, “O caminho das Índias”, esse é o próprio leitmotiv da obra. A mocinha hindu , Maya, apaixona-se perdidamente por um rapaz que não pertence a sua casta, Bahuan, o que, naquela cultura, é um impedimento gravíssimo para o casamento. Pelo menos é o que nos faz crer a autora da novela. Maya estava disposta a fugir com Bahuan para os Estados Unidos, onde ele estudou e antevê uma promissora carreira. No entanto o rapaz prefere partir só, deixando para trás a noiva inconsolável, que pouco depois se percebe grávida. Escreve a ele implorando que volte, sem contudo mencionar a gravidez. Mas nada o demove de seu propósito de ganhar dinheiro e ficar poderoso no exterior, para depois voltar à Índia. Sem opção, Maya se casa com um pretendente de sua casta, deixando ambas as famílias felizes.
Ando irritada com Bahuan. Sente-se traído , com o casamento de Maya e se alimenta com o sentimento de vingança, mas foi ele quem a abandonou. Glória Perez tem uma grande sensibilidade para retratar os dramas humanos, em especial o comportamento masculino. Bahuan foi pragmático o suficiente para pôr acima de sua paixão seus interesses profissionais. Abandona a namorada que confiou irrestritamente nele. Mas quando soube de seu casamento, toma um avião e volta à Índia com a intenção de evitar que a cerimônia se concretizasse. Nada mais tipicamente masculino. Felizmente chegou tarde e quando rouba a noiva, montado num belo ginete árabe, levou a moça errada, uma amiga de Maya que estava usando o vestido da noiva.
Meu interesse na novela me faz lembrar uma conversa com o Professor William Labov. Ele me perguntou uma vez se eu via televisão. Confirmei e ele me disse que também assistia a alguns programas, mas que o intelectual típico nos Estados Unidos desdenha desse tipo de lazer. Talvez nós, os sociolinguistas, não sejamos intelectuais típicos. Mas vale uma ressalva, nunca vi um capítulo sequer do famoso BBB, que já está na nona edição. Minha paciência não chega a tanto.
Brasília, 3 de abril de 2009