_ Hei, Stella. Você que vive por aí estudando, me diga por que ninguém sabe usar o verbo “vir”.  Por todo canto, só ouço as pessoas dizerem: “Eu não quero vim”; “Ele me disse que num vai vim”.

Quem me interpelava era uma amiga, colega da hidroginástica.  Ela tem demonstrado uma especial perspicácia na percepção de fatos linguísticos, embora  os  Estudos da Linguagem não sejam sua área profissional. Creio que o fato de ser bilíngue, tendo aprendido o alemão antes do português, a predisponha a prestar mais atenção a fenômenos da língua.

De fato, o uso do verbo “vir” é um caso peculiar e interessante no nosso português contemporâneo, distinto do emprego de outros verbos. De modo geral, no português brasileiro, suprimimos o “r” dos infinitivos verbais. Também suprimimos esse segmento ao final de palavras que não são verbos, mas a maior frequência de supressão se dá com os infinitivos verbais. O infinitivo é, por assim dizer, o nome do verbo, a forma que aparece nos dicionários para designar o verbo.  Todo infinitivo (dito impessoal) termina com o fonema r.  Quando estamos conversando de forma despreocupada, não pronunciamos esse fonema. Fazemos é esticar a vogal da sílaba final, como em “Vou desligaaaaaá, agora”; “Num dá pra você subiiiiiiii o som aí?”.

Com o verbo “vir”, que é um verbo irregular, não suprimimos o fonema r final. Substituímos a forma do infinitivo “vir”, pela forma da primeira pessoa do tempo passado: “Eu vim ontem”.

Não é só nessa forma do verbo que aparece uma vogal nasal ou nasalizada.  Também no imperfeito: “vinha”, ou no gerúndio “vindo”. E até a forma da terceira pessoa do plural, “vieram”, é realizada por alguns como “vinheru”.   É que, na sua origem, no seu berço latino, esse verbo era “venire”. Mas no português, que é uma das línguas que resultaram da evolução do latim, em contato com outros idiomas durante a expansão do império romano, o verbo se consolidou com a forma “vir”. Em espanhol é “venir”, mais próxima do avozinho latino.

“É conhecido o enunciado de Júlio César, o grande general romano, ao relatar uma vitória ao Senado: “veni, vidi”, vici”, ou seja, vim, vi e venci. Isso foi no ano 47 a.C. Bem antes que no extremo oeste da Península Ibérica se falasse alguma coisa já bem parecida com o português. Os especialistas consideram que o primeiro documento escrito em português  data de 1175 d.C., portanto 1222  anos depois da famosa esnobada de Júlio César ante o Senado Romano. Nesse ínterim, o próprio Júlio César conquistou a Península Ibérica e plantou ali as sementes do que viria a ser a nossa língua e muita água rolou do leito do Tejo para o Oceano Atlântico.

Voltando ao verbo “vir”, e respondendo a minha amiga, temos hoje em dia duas maneiras de usar o infinitivo impessoal desse verbo. Quando estamos prestando atenção à fala, de modo a atender às expectativas de nossos interlocutores que esperam de nós anuência às prescrições gramaticais, usamos a forma (ou variante) “vir”. Quando estamos falando de maneira despreocupada, entre amigos, sem pressões, às vezes usamos a forma “vim”. Assim:  “Acho que não vô vim não. Tô  ocupada até a tampa”. Essa variante, naturalmente, não é abonada pela gramática e seu emprego não é recomendado na língua escrita.  Os professores têm de ficar atentos, porque muitas crianças, e até estudantes mais maduros, desconhecem a variante “vir”, em benefício da variante “vim” , que não é considerada elegante ou adequada, embora seja  possivelmente mais usada do que a forma mais chique do infinitivo do verbo.

 

Brasília, 26 de abril de 2009

 

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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