Ontem, durante uma defesa de tese de doutorado, um colega foi eloquente ao nos contar sobre os muitos textos literários que sua mãe lhe apresentou. Discutíamos a escola arcaica e a moderna e, por consequência, a sociedade de outrora e a de hoje. A intervenção do colega foi a propósito das práticas letradas que vicejavam nas famílias há algumas décadas.
Isso me fez lembrar dos poemas, curtos e longos, que memorizei com o auxílio de minha mãe. Às vezes recitávamos, às vezes cantávamos juntas. Quando íamos de visita aos avós ou aos bisavós, eu era instada a subir em uma cadeira e recitar um poema. Quanto mais longo, mais festejada eu era, e confesso que essas experiências infantis fizeram bem à minha autoestima. Se um desses textos cruza a minha memória, quase sempre trazido pela lembrança de um sabor, um aroma, uma foto, um livro, uma toada, que vou encontrando pela vida, sinto uma nostalgia que não é triste, é uma saudade feliz.
Uma das minhas canções favoritas era a história do Zé Gazela, o maió dos cantadô. Não sei se é do folclore mineiro, ou se tem autor. Preciso buscar essa informação. “Ocê tá venu essa casinha, simplesinha,toda feita de sapé? Sabe quem mora dentro dela é Zé Gazela, o maió dos cantadô. Quando Zé Gazela viu Siá Rita, tão bonita, pôs a mão no coração. Ela pegou num disse nada, deu risada. Pono os oinho no chão. E se casaru, mas um dia, que agonia, quando em casa ele chegô. Zé Gazela viu Siá Rita, muito aflita. Tava lá Mané Sinhô. Tem duas cruz entrelaçada, bem na estrada, escrevero por detrais, numa casa de caboclo um é pouco, dois é bão, três é demais.”
Não sei se entendia bem o teor da história, mas gostava da melodia.
Hoje em dia _ argumentamos na banca de doutorado _ os pais, quando são letrados, têm pouco tempo para recitar poemas com os filhos. Quando não são letrados, e há cerca de 12% da população adulta neste país que não é alfabetizada, às vezes contam causos e cantam para os filhos algumas canções, mas não é raro que as gerações mais novas desvalorizem aquelas lembranças como coisas de velho ou coisas da roça. A cultura globalizada que consumimos, onipresente, deixa muito pouco espaço para esses mergulhos no passado.
A bem da verdade, tenho de dizer que meu filho, lá pelos nove ou dez anos, aprendeu de cor o “Navio Negreiro” de Castro Alves. Mas, que pena! Eu não o ajudei, foi uma iniciativa dele, que foi apresentado ao poema na escola. Perdi uma oportunidade ímpar de ter o meu filho se lembrando de mim, todas as vezes que um aroma, uma toada, um sabor, um livro lhe trouxer à memória o poema antológico do poeta baiano.
Brasília, 22 de maio de 2009