Jornal da Ciência
As exigências feitas a centros universitários e instituições isoladas, onde está a grande maioria dos estudantes, são ainda mais fracas do que as feitas a universidades
Otaviano Helene é professor do Instituto de Física da USP, ex-presidente da Adusp Seção Sindical e ex-presidente do InepMEC. Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professor do Instituto de Física da USP e vice-presidente regional SP do Andes Sindicato Nacional. Artigo enviado pelos autores ao JC e-mail:
A educação superior no Brasil destaca-se, em comparações internacionais, por algumas características negativas, tais como a alta privatização e a pequena quantidade de estudantes atendidos com a devida qualidade do ensino.
A oferta de educação superior por empresas privadas traz uma série de conseqüências negativas, pois a procura por lucro faz com que apenas haja cursos em áreas de conhecimento e regiões geográficas onde está a clientela e não naquelas que seriam as mais necessárias para a promoção do desenvolvimento científico, cultural, econômico e social do país.
Quanto à segunda característica, uma das mais graves conseqüências é a falta de pessoas qualificadas em quase todas as áreas profissionais e regiões do país.
As respostas a esses problemas, por parte dos poderes executivos, têm sido totalmente insuficientes, inadequadas ou ambas as coisas, como a história tem demonstrado. Contudo, o mais preocupante, neste momento, é a reforma universitária, ora tramitando no Congresso nacional e cujo cerne é constituído por três Projetos de Lei (PLs 4212 e 4221, ambos de 2004, e PL 7200, de 2006, facilmente acessíveis pela página eletrônica da Câmara Federal) e um conjunto de emendas.
Como característica geral, esses projetos e emendas caminham no sentido de piorar a legislação atual, do ponto de vista das necessidades e possibilidades nacionais. Mesmo o projeto depositado pelo poder executivo na Câmara dos Deputados, em junho de 2006, o PL 7200, sob uma análise mais detalhada, apresenta uma grande série de problemas, e, considerando as emendas que recebeu, certamente, será piorado durante o processo legislativo, repetindo o que já aconteceu anteriormente com outros projetos.
Como não cabe em um curto artigo uma análise mais abrangente da situação, aqui vão apenas algumas observações, talvez suficientes para sensibilizar uma parte dos leitores para a questão.
Por mais absurdo que possa parecer, frente à autonomia que as universidades detêm para criar cursos, definir currículos e à obrigatoriedade constitucional de realizar pesquisas, ainda hoje é possível a existência de uma universidade sem doutores em seu quadro docente. Pela Lei de Diretrizes e Bases, em vigor desde 1996, para que uma instituição seja credenciada como universidade basta ter um terço do corpo docente com mestrado ou doutorado. A partícula ou diz tudo: bastam mestres.
Há também a exigência legal de que pelo menos um terço dos docentes em universidades sejam contratados em regime de tempo integral. Isso poderia ser interessante, não fosse a definição do que é tempo integral: quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição e com uma carga horária de 20 horas de aulas, características suficientes para inviabilizar um ensino superior de qualidade e o desenvolvimento de pesquisa acadêmica.
As exigências feitas a centros universitários e instituições isoladas, onde está a grande maioria dos estudantes, são ainda mais fracas do que as feitas a universidades.
Se essas exigências já estavam muito aquém das necessidades e, concretamente, das possibilidades há cerca de uma década e meia atrás, ou seja, em 1996, atualmente, quando temos mais do que o dobro de doutores formados no país e uma maior necessidade de produção científica, cultural, tecnológica e artística, são absolutamente inaceitáveis.
Apesar disso, essas parcas exigências poderão ser mantidas ou mesmo diminuídas, considerando-se as propostas de reforma universitária e as emendas aos projetos de leis em discussão no Congresso: há propostas de reduzir, ainda mais, o percentual de docentes contratados em 40 horas, aumentando-se a participação dos, assim chamados, professores horistas ou de contratados em tempo parcial; há propostas de retirar qualquer exigência de que universidades devam fazer pesquisa.
Há, até mesmo, uma proposta de eliminar qualquer exigência de mestres ou doutores em universidades! Enfim, se uma pequena parte dessas propostas, que tratam a educação superior como apenas mais um ramo do setor comercial, tiverem êxito, nossos doutores continuarão desempregados ou sub empregados, nossos cursos continuarão fracos e as necessidades nacionais continuarão sem solução.
Frente a essa situação e considerando o perfil privatista do Congresso brasileiro, é necessária uma forte ação para reduzir os estragos que a reforma universitária poderá causar ao país. Uma forte atuação dos colegiados das instituições de ensino superior, sérias e comprometidas com o desenvolvimento nacional, das associações profissionais e acadêmicas, das entidades representativas de docentes e estudantes, entre diversos outros setores da sociedade civil, poderá contribuir para evitar o perigoso retrocesso que se desenha para o país.