05 12 2006 - CORREIO BRAZILIENSE
Invadiram a minha praia
Lobos-guará são encontrados com freqüência em áreas urbanas. De 2005 pra cá, foram 12 animais. São as vítimas da perda de espaço com o aumento dos condomínios
Rachel Librelon
Lobo-guará perdido no Setor Comercial Sul, tamanduá na varanda de uma casa em Ceilândia, cachorro-do-mato atropelado no Park Way, suçuarana em um quintal do Lago Sul. Bichos que não deveriam sair do cerrado são visitantes comuns das áreas urbanas. A pressão da expansão das cidades no Distrito Federal, o desmatamento e a falta de um corredor verde fazem com que animais silvestres ganhem as ruas, assustem a população ou acabem sendo feridos.
Só neste ano, foram encontrados sete animais de quatro espécies nativas — quati, tamanduá, cachorro-do-mato e lobo-guará. Muitos estavam machucados. Além disso, um casal de bichos-preguiça, típicos de outro bioma — a Mata Atlântica — foram achados em áreas urbanas da capital.
O último visitante, um lobo-guará macho, com cerca de um ano de idade, vagava pelo Setor Comercial Sul na manhã de sábado. O animal foi capturado pela Polícia Ambiental, levado para uma jaula, e entregue ao Zôo, mesmo destino de todos os animais em situações semelhantes. Ontem, os veterinários do zôo colheram sangue para avaliar como anda a saúde do bicho que, aparentemente, é saudável. Se estiver tudo bem, será marcado e solto pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis em matas do cerrado até a próxima quinta-feira.
O Zôo já abriga dois casais da espécie e não tem interesse em ficar com mais um exemplar. Além disso, dois outros lobos-guarás estão sob os cuidados da unidade de veterinária, aguardando por um destino definitivo. Acredita-se que o bicho tenha saído do Parque Nacional. Acostumado à liberdade, fica irritado atrás das grades e reage mostrando os dentes quando alguém se aproxima e solta uivos assustadores.
“Quem se deparar com um animal desses, não deve chegar perto, pois ele pode ser agressivo. Deve procurar o Ibama ou a Polícia Ambiental, que têm os equipamentos para capturá-lo”, orienta o veterinário Georges Cavalcanti, do Zôo de Brasília. De acordo com Cavalcanti, o lobo-guará tem uma vida solitária no cerrado. Só em época de reprodução é possível encontrar um macho e uma fêmea juntos pela vegetação. Precisam de uma área com pelo menos 50m de raio para transitarem livremente. Quando aparece um intruso, há disputa por território. Animal de hábitos noturnos, ele é onívoro, ou seja, se alimenta de pequenos roedores, pássaros que caça, e frutas, entre elas, a lobeira. Adultos, chegam a medir 1,20m do focinho à ponta da cauda e podem pesar até 30kg. A expectativa de vida é de 15 anos.
Feridos
Mas nem todos os animais chegam ilesos à veterinária do zôo. Um filhote de lobo-guará, com pouco mais de seis meses, foi encontrado ferido nas ruas de Sobradinho há oito meses. Os ferimentos no corpo indicavam que o lobinho tinha brigado com cachorros de rua e levado a pior. Hoje, já com os machucados cicatrizados, os veterinários esperam que o bicho cresça um pouco mais antes de ser solto e possa conseguir viver novamente em liberdade.
O lobo que vive no cerrado (foto ao lado) é um sobrevivente. Foi encontrado com parte do corpo queimado em uma fazenda de soja em Unaí (MG). O bicho não conseguiu escapar da queimada promovida por um fazendeiro da região. Depois de quase um ano de tratamento, o animal aguarda por um destino em outro cativeiro, já que não tem condições de voltar à vida livre nem tem lugar no zôo. Além expostos às queimadas, lobos e outros bichos do cerrado são vítimas comuns de atropelamento nas rodovias que cortam o DF. Muitos não sobrevivem.
Sem terra, sem destino
Não foram os animais que invadiram ou invadem o território do homem. Foi a cidade que cresceu e continua a se expandir sobre áreas de cerrado onde eles viviam. Sem o espaço que precisam, os bichos acabam entrando e se perdendo nas áreas urbanas. “O Parque Nacional, por exemplo, está cercado por atividades que não têm nada a ver com ele: uma cidade de 30 mil habitantes e um lixão”, comenta o ambientalista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Gustavo Souto Maior. Nos últimos anos, foram capturados cachorro-do-mato, gato-do-mato, quati, queixada, tamanduá e suçuarana. A origem dos bichos-preguiça ainda é desconhecida (veja quadro).
A falta de um corredor verde é outro problema. As reservas ecológicas estão ilhadas — cercadas de bairros novos e invasões por todos os lados. Com isso, os animais não têm como atravessar de uma área verde para outra em segurança, por exemplo, através de um corredor de vegetação. A arriscada passagem pelo asfalto custa a vida de muitos. “As áreas preservadas não podem ser isoladas umas das outras. É urgente pensar nisso com mais carinho e atenção”, afirma Souto Maior. O veterinário Georges Cavalcanti cita o exemplo dos lobos-guará que nem sempre conseguem ter o raio de 50km que precisam para sobreviver dentro de uma reserva.
Todos os animais encontrados, que estavam fora de seu habitat são levados para o hospital veterinário do Zôo de Brasília. Lá, são identificados, tratados e aguardam por um destino. Além de mamíferos, centenas de pássaros de várias espécies — vítimas do tráfico de animais — são mantidos no hospital, enquanto não se decide onde será o viveiro definitivo. Mas poucos podem ficar no Zôo para sempre. O caso de Brasa, um tamanduá achado ferido em 2002, é exceção. O animal foi adotado e ganhou um abrigo no hospital veterinário. “Não temos espaço para ficar com os animais. Geralmente mantemos aqueles que podem formar par com outro que já está aqui”, explica Cavalcanti. (RL)
Quati
O filhote da espécie vagava pelo zoológico há um mês. Foi levado para o hospital veterinário e recebeu o apelido de Teca.
Cachorro-do-mato
Chegou machucado no zôo há dez dias. Foi encontrado atropelado na DF 140, próximo ao Park Way. Já passou por duas cirurgias para colocar pinos nas patas e será libertado assim que se recuperar.
Queixada
O porquinho do mato barulhento estava perdido
Gato-do-mato
Foi encontrado no ano passado, com a pata quebrada,
Tamanduá
Dois exemplares foram encontrados nos últimos quatro anos. Um era da espécie tamanduá-bandeira e o outro, tamanduá-mirim. O primeiro invadiu uma casa na Ceilândia e depois de passar por cuidados veterinários foi libertado. O segundo foi adotado pelo zôo e recebeu o nome de Brasa. O bicho sobreviveu a um incêndio florestal em 2002.
|