Adail, José Pacheco, colegas da CVL e a quem interessar possa
Não se trata de recuperar o método fônico tal como ele era utilizado no
passado ou, talvez, ainda seja usado alhures. Isso seria um absurdo.
Ninguém quer o Terteão sozinho de volta.
Mas também acreditar que só colocar a criança no meio dos livros, e esperar
que ela aprenda (construa) tudo sozinha; ficar conjecturando que ela está no
período pré-silábico, pós-silábico, sei lá, esperando que ela tome a
iniciativa, porque vê o pai ou a mãe lendo, que a criança refaça o
percurso que a humanidade fez para dominar a escrita, que o letramento
(seja lá o que se entenda por isso) leve a criança a adquirir o processo da
leitura e outras crenças esvaziadas que os devotos de Emilia Ferreiro têm
pregado há vinte neste país ... Tudo isso virou igualmente uma praga. E
muito difícil de combater porque o construtivismo ferreiriano está nos
documentos oficiais, nos PCNs da vida.
Outra coisa: demoniza-se a cartilha. Mesmo sabendo-se que muita gente, nós
mesmos, aprendemos a ler com ela. E quem foi que disse que precisa trazer
frases idiotas (A Naná dá na macaca). Lembro-me que minha filha foi
alfabetizada com uma cartilha bem interessante, que não trazia essas
baboseiras. Trazia frases perfeitamente plausíveis no discurso da criança. E
todo mundo sabia que aquilo era o início. A leitura mais significativa viria
depois, e de forma constante, todo dia, com textos diferentes. E não passar
duas semanas com uma quadrinha, como muita gente faz hoje em dia.
Acontece que esse tal de construtivismo mal digerido, distorcido, contribuiu
muito e ainda vem contribuindo para o chamado fracasso escolar. E não é só
na alfabetização não. O construtivismo como vem sendo entendido e posto em
prática nas nossas escolas, principalmente nas escolas públicas, está
destruindo o ensino. Está descaracterizando a escola, o trabalho do
professor, esvaziando os conteúdos, e outras mazelas mais, como essa coisa
que ninguém sabe o que é: o aprender a aprender. Muita gente acha que agora
quem ensina é o computador.
Claro que acredito no construtivismo como uma epistemologia. Pra mim, é
óbvio que o conhecimento é construído, e construído sociocognitivamente,
interativamente, discursivamente, etc., etc. Faz uns trinta anos que venho
lendo e estudando sobre o construtivismo, Mas daí a transformá-lo numa
teoria pedagógica única, num método de ensino, é um absurdo. Quem vive em
contato com escolas vê bem o caos em que se transformou o ensino.
Pois é. O fato é que os professores acham que não precisam mais ensinar
porque o menino constrói tudo sozinho. Não há mais planejamento de aula,
sistematização de conteúdos. Há uma crença de que a criança constrói o
conhecimento, assim, magicamente. Ninguém pergunta: constrói a partir de
quê, cara pálida? Sim, por que não há mais conteúdo previamente
estabelecido, tudo deve partir do que o aluno traz de casa. E se o
professor não souber problematizar o conhecimento comum e levar o aluno ao
interesse pela pesquisa, pela descoberta? Como é que fica? Não fica, não
fica nada. Nem o tradicional, nem o moderno.
Ainda em relação à alfabetização, agora a moda é o letramento. Cruel é saber
que boa parte das nossas professoras não são tão letradas, e nem sabem bem
o que é esse tal de letramento, que é, convenhamos, uma noção muito nebulosa
até pra quem tem pós-graduação.
Outra coisa: esqueceram que nossa língua é alfabética, é silábica.
Esqueceram que a decodificação é uma etapa necessária, e que, mesmo os
leitores experientes em certas ocasiões, apela para a decodificação. Quem
sabe alguma coisa a respeito do processamento cognitivo da leitura já está
careca de saber que uma das características do leitor proficiente é o uso
flexível, adequado dos processos ascendentes (bottom-up=decodificação) e
descendentes (top-down=predição) na compreensão de textos. Isso depende
também dos objetivos da leitura.
Mas no construtivismo, querem que as crianças aprendam a ler
ideograficamente logo no início, sem primeiro aprender a decodificar. Ora,
minha gente, a leitura ideográfica é para o leitor maduro, experiente, que
já automatizou o processo e assim mesmo isso só ocorre quando se tem um bom
conhecimento prévio do assunto, quando se está diante de um gênero textual
conhecido, enfim, quando se está lendo em condições. Aí, a gente lê
fluentemente, com uma compreensão garantida, fazendo sentido. Basta se ter
uma dor de cabeça, um barulho em volta, uma passagem mais difícil no texto
e a gente desautomatiza o processo e apela pra decodificação.
No último congresso da ABRALIN, em Belo Horizonte, em março último, alguém
apresentou uma pesquisa sobre compreensão de texto com professoras primárias
recém saídas do curso de magistério e verificaram que em certas passagens do
texto, elas preferiram adivinhar o que tinha na passagem, mesmo que isso
fosse uma inferência desautorizada. Moral da história: verificou-se que
elas não sabiam ou não queriam, ou achavamm que não se deve decodificar. Aí
convém lembrar do Sírio Possenti: a leitura errada existe. E confiar muito
na predição, da adivinhação (intelligent guessing, como diz Kenneth Goodman)
pode levar a uma leitura errada, e de consequências desastrosas.
É nisso que está dando essa abordagem de alfabetização baseada nesse mal
digerido construtivismo. Piaget deve estar se contorcendo na cova, coitado.
Emília Ferreira diz que a pesquisa dela não é método. Mas é tarde, virou
mesmo. E encalacrado. Telma Weiz diz que a culpa do fracasso escolar está
na miséria do povo. E Vygotsky e Bakhtin viraram remédio pra tudo. Daqui a
pouco vai aparecer um método bakhtiniano, mesmo sem o homem nunca ter falado
nisso.
Tá bom ou querem mais? Bom, ainda tem a questão da leitura em voz alta, que
também anda condenada. Mas nem vou entrar nesse assunto. Vou ficando por
aqui.
Maria Inez Matoso Silveira - (Centro de Educação - UFAL)
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