A estrada que liga a capital da Índia a seu principal centro turístico tem 200 quilômetros, mas nem é preciso chegar ao final para entender o longo e árduo caminho do país para a modernidade. “Essa é uma sociedade múlti – multiétnica, multirreligiosa, multilingüística, multicultural”, diz Sanjaya Baru, conselheiro do primeiro-ministro Manmohan Singh. Multipopulosa, com 1,1 bilhão de habitantes, a Índia tem quase 20% dos seres humanos da Terra, mais da metade deles com idade inferior a 25 anos. Na rota da globalização, os indianos assumem uma direção multibarulhenta. As agências de notícias disparam boas novas sobre a economia, mas o caos cotidiano é o cartão de visitas inegável para quem chega ao país.
Logo na periferia de Nova Déli, pedestres, bicicletas, motos e os indefectíveis tuk-tuks se espremem e quase se atropelam em meio a um contínuo bipbip, como se a mão na buzina fosse o suficiente para abrir passagem para o progresso. A via expressa que leva a Agra, onde fica o Taj Mahal, segue o padrão internacional de duas pistas, acostamento e canteiro central. Mas, ao longo de sua extensão, os diversos estágios de desenvolvimento de um povo negociam e disputam seu lugar na sociedade, em cenas que traduzem o planeta Índia.
Milhares de pessoas se agrupam em pequenos aglomerados urbanos, espécie de multifavela que margeia a rodovia. São quase sempre uns caixotes de tijolo com portas de ferro de enrolar, como os depósitos de bebidas da periferia do Brasil. Sobre cada uma delas, enormes placas informam o que se vende ou se produz ali. No surto de livre iniciativa, o indiano se superfatura – o borracheiro abriga um outdoor de um fabricante de pneus e o vendedor de celulares ocupa a fachada com a propaganda da operadora.
A incrível poluição visual traduz um sentimento empreendedor, mas a realidade capitalista do indiano médio ainda é menor que o desejo. Menos de 40 milhões, 10% da força de trabalho, têm emprego formal e, desses, 21 milhões estão ligados ao setor público. Ou seja, há uma burocracia enraizada a ponto de exigir que, ao cruzar uma fronteira interna, um carro precise ter documentos carimbados para ingressar no Estado vizinho.
A parada é um aglomerado de caminhões antigos, de desenho soviético. O acostamento e uma das pistas viram estacionamento para carros que se alinham transversalmente. Cria-se então verdadeira muvuca, palco ideal para os artistas de rua que se apresentam para o show: vendedores de bugigangas, encantadores de serpentes, macacos amestrados e travestis surgem entre carros e caminhões em busca de qualquer rúpia trocada.
Mas a multifavela às margens da rodovia é também o retrato de uma urbanização tão caótica quanto incipiente – quase 70% dos indianos vivem em áreas rurais, muitos numa economia agrícola de padrão semifeudal. Ainda assim, o país produz 600 milhões de toneladas de alimentos e é o campeão mundial de leite e de cana-de-açúcar.
A estrada, assim como as relações entre as diversas religiões, etnias e castas indianas, segue um código próprio – uma convenção fora dos padrões ocidentais. Pedestres, bicicletas e riquixás, a carruagem puxada pela tração humana, ocupam o acostamento. A seu lado, motoqueiros sem capacete ziguezagueiam. Um deles leva na garupa uma mulher sentada de lado, vestida com o colorido sári, e entre os dois está uma criança de não mais do que seis anos. Um tuk-tuk, aquele triciclo verde e amarelo com capota de plástico, sem vidros nas janelas (confira foto nesta pág.), carrega mais de 20 pessoas onde só deveriam sentar cinco. Deitado sobre a capota do tuk-tuk, um jovem indiano ri, cabelos ao vento e braços e pernas esticados como Tom Cruise em Missão impossível.