Asas à educação

por Ricardo Prado

© Valeria Almeida  

Escola criada e mantida pela Embraer adota práticas de gestão empresarial para mudar a vida de alunos de baixa renda

 Imagine uma escola que teve um único caso de repetência entre 1,2 mil alunos e nenhuma desistência. Imagine que esta escola de ensino médio só aceite alunos que tenham feito o fundamental em escolas púbicas – selecionando os 200 melhores entre até 5 mil candidatos. Imagine, ainda, que essa escola ensine em período integral, ofereça refeições bem balanceadas, conte com banheiros impecavelmente limpos e uma média mensal de retirada de livros na biblioteca de mais de seis exemplares por aluno. Por fim, imagine que essa escola, formada apenas por alunos vindos de famílias de baixa renda, há quatro anos, desde que formou sua primeira turma, coloca 95% de seus estudantes em ao menos uma faculdade e mais de 60% nas melhores, como USP, Unicamp e Unesp. Pois essa escola existe, fica em São José dos Campos, chama-se Engenheiro Juarez Wanderley e foi criada em 2001, annus horribilis da aviação civil.

Naquele ano, a Embraer precisou demitir 1,8 mil funcionários, mas decidiu ir até o fim no projeto de criar uma escola de ensino médio que fosse uma referência no estado de São Paulo, ao custo anual de 10 milhões de reais. O único plano que escapou do controle é que o colégio se tornou referência não apenas estadual, mas nacional. O Engenheiro Juarez Wanderley detém atualmente o terceiro melhor desempenho no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) entre todas as escolas paulistas, atrás apenas das particulares Bandeirantes e Vértice. No País, está em 18º lugar. Enquanto a média nacional da prova objetiva do Enem é 35,4, a do Juarez” é o dobro dela, 70,1.
“Mas estatística é que nem biquíni: mostra quase tudo, mas esconde o essencial”. Esta frase, atribuída ao ex-ministro da Fazenda Roberto Campos, é invocada pelo diretor do Instituto Embraer de Educação e Pesquisa, Luiz Sérgio Cardoso de Oliveira, para lançar luz sobre o que os bons números do colégio não conseguem revelar: que esta não é daquelas escolas que estimulam uma agressiva competição entre seus alunos. A proposta, aliás, é o oposto disso. Busca-se o desenvolvimento pessoal e ensina-se a trabalhar em equipe para, depois, se perseguir a excelência acadêmica. Lucas Evilácio Siqueira, que conseguiu entrar na Faculdade Politécnica da USP, revela como a proposta pedagógica da escola é percebida pelos alunos: “Nos dois primeiros anos, eu aprendi muito sobre mim mesmo, sobre as pessoas e ampliei meus conhecimentos. No terceiro ano, aprendi a ter disciplina, foco e determinação para alcançar meus objetivos”. Seu depoimento soaria como música aos ouvidos da diretora Maria Regina da Paz, que revela: “No começo, muitos diziam que seria impossível trabalharmos bem as duas vertentes, a humanista e a acadêmica. Nós provamos que isso é possível”, orgulha-se.

Selecionados os novos alunos, a primeira tarefa para a equipe de professores, orientadores pedagógicos e psicólogos é “elevar a régua” dos ingressantes. No jargão da escola, significa ampliar os horizontes de quem se acostumou a esperar pouco do futuro. Assim, quem revela que gostaria de ser motorista de táxi, como o pai, é incentivado a sonhar mais alto e ser, por exemplo, engenheiro mecânico. Sucessivas reuniões com os pais servirão para que esses compreendam a “régua ampliada” de seus filhos, preparando-os para uma possível mudança na rotina doméstica, com mais tempo de dedicação aos estudos. Cada classe também estabelece sua própria meta e missão. A partir desse simples exercício de planejamento, prática de gestão muito comum na iniciativa privada, os alunos também criam metas pessoais, tais como “melhorar em matemática”, “ler no mínimo um livro por mês” ou “melhorar a participação em sala de aula”. O hábito de pensar em metas coletivas e pessoais ajuda-os a programar mais claramente o próprio projeto de vida.
Há outros diferenciais na escola, como o Projeto Interdisciplinar Alternativas Sustentáveis, dirigido pelo biólogo e coordenador pedagógico Carlos Alberto Mourthe Júnior. Exclusivo aos alunos do segundo ano, o projeto incentiva o trabalho em equipe, com cada grupo escolhendo o que fazer dentre várias iniciativas, tais como: construir um aquecedor solar a partir de embalagens de leite longa vida, projetar uma casa sustentável ou desenvolver um novo secador de frutas.

Como as frutas secas fizeram um enorme sucesso neste ano, a turma responsável pelo projeto cuidou de adequar a produção à demanda, produzindo um com o dobro da capacidade. E o Banco Alternativas Sustentáveis, mantido pelos próprios alunos, é o responsável pela gestão econômica dos vários projetos que aliam o ensino de educação financeira e ambiental com diversos princípios científicos trabalhados no ensino médio.
João Daniel dos Santos, atual presidente da Empresa Júnior da Faculdade Ibmec, onde estuda, pertenceu à primeira turma acolhida pelo colégio. Ele relembra: “Era tudo muito novo e todos estávamos surpresos com aquele ambiente. Afinal, um colégio construído em cem dias, com cheiro de tinta, com pessoas de várias cidades que entraram ali por meritocracia pura e simples, onde quase ninguém se conhecia, era algo que causava muita expectativa. Havia também a sensação de que éramos os primeiros a estrear os materiais, as quadras, o primeiro gol no futebol, dentre outras coisas”. João também recorda que havia outro diferencial: “Para mim, foi um ambiente em que pude errar bastante e aprender com os meus erros. Hoje devo minha formação profissional e minha posição à base que tive dentro do colégio”. 
Aprender a partir dos próprios erros é uma das estratégias defendidas por educadores contemporâneos. Trabalhar em equipe é outra competência cada vez mais exigida – e o projeto Alternativas Sustentáveis cuida de desenvolvê-la. Saber se colocar no papel do outro (desde um fornecedor até o próprio cliente) também é uma ferramenta indispensável para bons profissionais. Sobre esta última competência, o Dia de Auto Gestão ficou gravado na memória de Patrícia Silva Aguiar, atualmente na Escola Politécnica da USP.

“É um dia diferenciado, pois todos os funcionários, sem exceção, são substituídos por alunos. As aulas são ministradas por ‘alunos-professores’ e eu fui convidada pela professora Regina, de português, para representá-la. Foi uma experiência única, porque nós pudemos ver o outro lado do colégio. Eu passei por salas de todos os anos, enfrentei situações delicadas com as quais os professores lidam diariamente e tive uma pequena amostra de quão interessante e complexo é o ensino”, recorda.
Perplexa, a polonesa Magda Kurdziel, que cursa Relações Internacionais e faz um estágio no colégio como auxiliar de ensino de inglês, indaga à reportagem: “As escolas no Brasil são todas assim?” Se Magda não conhecer outra escola antes de retornar à Polônia, poderá voltar com uma impressão infelizmente distorcida sobre a educação brasileira. Sem falar português, Magda se surpreende com o interesse dos alunos em praticar conversação, com a dinâmica de ensino da escola e, no último dia letivo do ano, com o choro descontrolado de muitos alunos e alunas, inconformados com outra saudável prática pedagógica – esta ainda pouco reconhecida pelos próprios beneficiados: a cada ano, os professores cuidam de desmanchar as ‘panelinhas de amigos’, dissolvendo-as nas turmas seguintes. Talvez mais para a frente, já formados, os que hoje choram de saudade dos colegas (que apenas mudarão de sala de aula) agradecerão a oportunidade de terem sido empurrados a novas amizades. Além, é claro, do verdadeiro empurrão, aquele que fará com que cheguem aonde outros, nas mesmas condições econômicas, jamais teriam chegado.

(Fonte: Carta na Escola )

 

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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