Ousar é preciso

29022008 13:06:08

Miguel Nicolelis

Fonte: Carta na Escola

Naquela tarde de ventos fortes de 19 de outubro de 1901, toda Paris parou para ver a realização daquilo que o mundo do início do século XX considerava a epítome do impossível. A bordo do seu dirigível Brasil VI, exatamente às duas e meia da tarde de um dia de outono que ficaria marcado para sempre na memória de milhões de pessoas mundo afora, o maior cientista brasileiro de todos os tempos, Alberto Santos-Dumont, decolou do Parque Saint Cloud em direção ao monumento mais imponente da capital francesa, a Torre Eiffel.

Carregando na mente o objetivo de contornar a torre e retornar ao ponto de partida em não mais de 30 minutos, Santos-Dumont deve ter se lembrado, por alguns segundos ao menos, dos meses de tentativas malsucedidas e acidentes, alguns quase fatais, que precederam aquela histórica decolagem.

Munido apenas de uma inesgotável dose de ousadia e um desejo insaciável de voar com e como os pássaros, esse filho de fazendeiro, nascido no interior de Minas Gerais, percorreu 11 infindáveis quilômetros para assombrar o mundo e ingressar no panteão dos heróis da humanidade como o ganhador do prêmio Deutsch de la Meurthe, a primeira grande honraria internacional da história da aviação.

Mas Santos-Dumont conquistou muito mais do que um prêmio ao voar ao lado dos pássaros franceses, que, meio atordoados, flutuavam nos céus de Paris sem entender bem o que se passava com aquela gente lá embaixo que, em delírio, insistia em atirar seus chapéus ao ar, cantando a Marseillaise.

Ao tocar as fronteiras do impossível e arrastá-las sem hesitação para o território do factível, do realizável, Santos-Dumont conquistou um lugar ímpar na saga da construção da nação brasileira, aquela que um dia ainda vai decidir honrá-lo com a devida pompa e circunstância que só um verdadeiro herói nacional merece receber. Pois Santos-Dumont, ao contornar a Torre Eiffel, realizou algo muito pouco comum na história do nosso País.

Ele cumpriu a palavra empenhada.

Sem nuanças, sem meio-termo, sem deixar dúvida alguma do resultado final. Santos-Dumont não se conformou só em prometer que iria voar. Ele sabia que o sonho prometido e não realizado não condena apenas o seu sonhador, mas fornece munição preciosa àqueles que há muito renunciaram aos seus próprios sonhos e, como tal, não podem permitir que outros voem.

Assim, Santos-Dumont também decolou naquela tarde parisiense para permitir que gerações futuras de brasileiros jamais esmorecessem em seus desejos de um dia realizarem seus vôos impossíveis, sejam eles quais forem.

Por essa razão, a entrada principal do Campus do Cérebro do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), a ser construído na pequena cidade de Macaíba, na periferia da capital do Rio Grande do Norte, será coberta por uma maravilhosa escultura, representando um 14-Bis do século XXI. Todas as manhãs, milhares de crianças passarão debaixo dessa escultura a caminho da Escola Lygia Maria Laporta do IINN-ELS.

A esperança de todos os envolvidos nesse projeto é que, ao cruzarem a sombra desse grande pássaro brasileiro, esculpido em metal, plástico e história, todas essas crianças, dia após dia, construam seus sonhos impossíveis e imaginem como será o grandioso momento em que, finalmente, eles também poderão voar, livres como pássaros, rumo ao desconhecido e maravilhoso mundo da realização humana plena. Como Santos-Dumont, nosso exército de sonhadores, que já conta com mil voluntários, vai carregar consigo olhos brilhantes, cheios de ousadia e vontade de contribuir para o futuro do País.

Na semana do passamento da dívida externa brasileira, aquela mesma que durante tanto tempo soterrou os sonhos de toda uma geração de brasileiros, está na hora de olhar para o céu e começar a planejar a decolagem que vai fazer com que filhos e filhas do Brasil voltem a voar e assombrar todo o mundo.

Não há mais tempo a perder. Ousar é preciso.

O Cruzeiro do Sul, que jamais teve o privilégio de ver Santos-Dumont voar, espera ansioso pela visita de cada um de nós.

 

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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