O Brasil vai avaliar os alunos na alfabetização. É a chance de salvar as crianças antes da repetência
Ana Aranha
Quando a professora Elzileine do Nascimento Oliveira começou a dar aula para a 3a série do ensino fundamental de Sobral, no Ceará, descobriu que poucos de seus alunos podiam ler os livros didáticos que recebiam. “Cerca de dez liam os contos e poemas”, afirma. “Os outros 20 não identificavam nem as palavras.” Para lidar com o problema, ela dividiu a turma. Enquanto o primeiro grupo interpretava os textos, o segundo juntava as letras para formar palavras. Como a escola não previa material de alfabetização para a 3a série, ela usava recortes de revistas.
A experiência de Elzileine completa dez anos neste mês. Até hoje, o problema que ela enfrentou é comum nas escolas públicas de todo o país. Em Sobral é diferente. O município criou uma avaliação para a alfabetização que passou a servir de guia para os professores. Duas vezes ao ano, uma equipe da Secretaria de Educação vai às escolas verificar como cada aluno, da 1a à 4a série, lê e escreve. O objetivo é detectar as dificuldades e repassá-las aos professores, que poderão dar reforço antes de o ano acabar. Em 2001, a primeira avaliação local revelou que menos da metade dos alunos sabia ler ao entrar na 3a série. Hoje, o índice pulou para 93%.
Sobral virou referência. O sucesso da experiência serviu de inspiração para um novo sistema de avaliação nacional. É a Provinha Brasil, que em abril começará a ser aplicada em turmas do segundo ano de alfabetização de todo o país. A adesão dos municípios é voluntária. O professor pode baixar os testes e conferir o desempenho dos alunos pela internet. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação, está terminando de produzir o material que vai auxiliar o professor na interpretação dos resultados. A partir desse diagnóstico, feito já no começo do ano, o professor pode planejar as atividades com o foco nas dificuldades de sua turma. “O objetivo é estimular a intervenção no começo da alfabetização, enquanto ainda dá tempo”, afirma Amaury Patrick Gremaud, diretor de Avaliação da Educação Básica no Inep. Neste ano, pela primeira vez, o Brasil vai descobrir quantos alunos da rede pública são analfabetos. Antes da Provinha, as avaliações nacionais testavam apenas os conteúdos da 4a e da 8a série do ensino fundamental e do 3o ano do ensino médio. “Quando se identifica um problema de leitura na 4a série, o aluno já perdeu muito e a recuperação fica difícil”, diz Amaury.
Para o educador Nigel Brooke, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, é fundamental que os problemas da alfabetização sejam resolvidos enquanto o aluno está nos primeiros anos. Brooke é um dos integrantes da pesquisa Geração Escolar, que há três anos acompanha a evolução de 20 mil alunos nas primeiras séries do ensino fundamental. Para ele, a pesquisa aponta um distanciamento entre escola pública e privada a partir da 3a série. “Enquanto a particular começa com interpretação de texto, a pública continua lidando com problemas que deveriam ter sido resolvidos na 1a e na 2a série”, afirma. “A turma não se desenvolve porque o professor precisa voltar aos procedimentos iniciais.”
A professora Elzileine fez parte de outra mudança implementada por Sobral. Depois de recuperar as turmas atrasadas, o município localizou os bons alfabetizadores e os transferiu para as primeiras séries. Hoje, os alunos de Sobral passam a compreender as letras e as palavras na hora certa.