O Projeto Leitura, tem como objetivo vencer um dos maiores desafios encontrados pelos professores e amantes da literatura: Criar o hábito da leitura.
Projeto LEF Confira artigos, trabalhos, Vídeos, Fotos, projetos na seção do Letramento no Ensino Fundamental.
BAÚ DO TESOURO
Sou feliz.
Estar feliz é temporário. Ser feliz é o estado permanente de felicidade
Os temporários atingem a alegria do instante imaginando felicidade. Aspiram pó, juntam malas de dinheiro, fazem sexo, se picam. Sentem-se heróis por algumas horas.
Diariamente eu caminho. Bastam alguns poucos minutos e a adrenalina libera a endorfina, hormônio do prazer. Chego ao êxtase. Entorpecido, tudo acontece.
Nas minhas trilhas já encontrei pegadas de onça, morri antes de chegar em casa, vi lâmpada mágica, fui atropelado por um saxofone, conversei com coelhinha da Páscoa. Pode parecer alucinação, mas não é. Está tudo registrado e publicado. Então é verdade.
Caminhando na beira da praia do Futuro, em Fortaleza encontrei o baú do tesouro. Ou melhor, o destino fez o baú pegar uma onda e encalhar na areia no exato momento em que eu passava. Ao ver as cracas e o musgo deduzi que já estava no mar há algum tempo. Meses talvez. Anos, quem sabe.
Aos leitores incrédulos, fiéis apenas a São Tomé, registrei o achado com uma imagem.
Se eu fosse um menino meus olhos brilhariam. Abriria a tampa, veria joias coloridas brilhando sobre as moedas de ouro. Trocaria o boné por chapéu com caveira, colocaria uma venda num dos olhos e empunharia uma espada. Seria o pirata mais bem sucedido da história do Brasil.
Se eu fosse um macaco gourmet minha língua salivaria. Abriria a tampa e enxergaria bananas nanica, prata e ouro. Faria bolos, tortas, sorvetes e panquecas recheadas. Estenderia os braços e daria bananas para o mundo.
Se eu fosse a Candinha descobriria e confidenciaria à toda a vizinhança os segredos de Netuno, revelaria às amiga a marca do xampu de Iemanjá e diria apenas para algumas colegas que o caramujo dormiu de conchinha com a Medusa.
Sou um escritor que tem prazer na leitura. Abro a tampa cearense e vejo folhas de papel entre a areia e os sargaços. Estendo a mão ao acaso para pegar uma folha. Reconheço a letra inclinada com um pensamento lúcido de Rachel de Queiroz: “Falam que o tempo apaga tudo. Tempo não apaga, tempo adormece.”.
Retorno a mão para dentro do baú e disputo com um caranguejo, como se fosse a última quimera, um pensamento de Ana Miranda: “O amor pode ser leve como uma dança e pesado como a morte.”.
Feliz com as leituras, volto os dedos para dentro do baú, afasto um cavalo-marinho e pesco palavras de Xico Sá: “O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.”; “Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.”
Lá no fundo do baú, escavo a areia salgada e pego uma folha escorrendo o nome de José de Alencar em letras molhadas: “Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.”.
Em pleno deleite sou abordado por um guarda-vidas:
— O senhor está passando bem?
— Como assim?
— O sol está forte. Está delirando. Vá se refrescar no mar.
Entrou água na minha felicidade.