Ensino médio: carreira acadêmica, vocacional ou geral? O que nos diz a experiência dos EUA

Entrevista do Prof. Cândido ALberto Gomes, Doutor em Educação pela Universidade da Califórnia, Los Angeles 

Doutor em educação pela Universidade da Califórnia, Los Angeles, Cândido Alberto Gomes tem mais de 150 trabalhos publicados no Brasil e no exterior. É professor titular da Cátedra sobre Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília. Entre as suas funções, foi presidente do Comitê de Pesquisa do Conselho Mundial das Sociedades de Educação Comparada. Tem experiência na área de Educação , com ênfase em Administração Educacional. Atuando principalmente nos seguintes temas: Política, Planejamento Educacional, Políticas públicas em Geral. 
Tem sido consultor de várias organizações internacionais. 

No dia 17 de setembro, o professor Cândido Alberto Gomes irá apresentar a conferência A experiência das “Career Academies” nos Estados Unidos no Seminário Ensino Médio Diversificado, 2º do Ciclo de Seminários Internacionais Educação no Século XXI: modelos de sucesso, promovido pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, a partir das 8h, no Auditório Nereu Ramos.

Em entrevista, o especialista em Sociologia e Antropologia da Educação pela University of California nos adiantou um pouco do que será sua fala no Seminário:

1. Carreira Acadêmica não é um conceito conhecido no Brasil. O senhor poderia explicar brevemente o que isto significa, por que tais academias existem nos EUA? 

Os adolescentes variam entre aspirações muitas vezes irrealistas, como ser estrela de cinema ou piloto de Fórmula 1, e sentimentos de auto-desvalorização e aborrecimento com os estudos. A “carreira acadêmica” é uma escola dentro de uma escola, com alunos voluntários (ao se apresentarem, são selecionados e firmam compromisso). Ela parte da consciência para a carreira profissional e do estudo contextualizado das matérias de educação geral para chegar à profissionalização. Por exemplo, em física aplicada pode-se abrir um telefone celular ou uma torradeira de pão para dissecá-los, estudar leis, formular e testar hipóteses. À medida que passam os anos aumenta o envolvimento com o trabalho e a definição da carreira a seguir. Nos últimos anos do ensino secundário, aprofunda-se a formação técnica. O aluno entra em um curso superior de dois anos, de caráter profissionalizante e prático. O diploma permite prosseguir nos estudos superiores até a pós-graduação.

2. Como é um curriculum típico e a rotina de um estudante engajado na carreira acadêmica? O que acontece depois da graduação? 

É alguém que aprende com a mão na massa. Vai e volta continuamente da teoria à prática. Conhece cada vez mais o mundo do trabalho. Aprende a se comunicar bem, a trabalhar em grupo, a liderar, a detectar e resolver problemas. Não é alguém recheado de conteúdos, mas uma pessoa que aprendeu a aprender. Depois da graduação está apto para um conjunto de ocupações interrelacionadas, podendo continuar os seus estudos superiores e aprofundar-se. Como o mercado de trabalho muda continuamente, pode transitar de uma ocupação para outra, com a atualização e o aprofundamento contínuo dos conhecimentos e capacidades. 

3. A carreira acadêmica é uma nova forma de educação secundária, diferente do colegial preparatório para a faculdade (college-prep high schools) e diferente do ensino secundário técnico? Se sim, quais seriam as diferenças? 

Ela não é um beco, mas um caminho com várias saídas. Não prepara o aluno para entrar imediatamente numa universidade, para uma carreira complexa, como medicina, ou para chegar à pesquisa. Não é um curso técnico especializado. É uma associação entre quatro anos de escola secundária e dois de educação superior (carreira curta), com aprofundamento para atender às exigências cada vez maiores da sociedade e da economia do conhecimento. A partir daí seguem-se o trabalho e a possibilidade de continuar os estudos.

4. O que acontece em torno da escola secundária (high school) nos EUA:

a) Qual é o investimento?

A escola secundária matricula 95% do grupo de idade correspondente, isto é, quase todos estão matriculados. Quem não a completa, carece de perspectivas. Nas escolas públicas a despesa anual por aluno é de 10.286 dólares. 

b) Quais são as taxas de saída, evasão e suas causas – e principais causas?

Nas escolas públicas, 74% concluem o curso. Quem está nos grupos de risco para a evasão são os jovens de baixa renda, os que já trabalham, os que não trabalham, as mulheres e as minorias étnicas, sobretudo hispânicas. Um dos problemas é o desinteresse, o aborrecimento da escola, pois do modo que está não atende aos seus anseios e não orienta bem para o futuro.

c) Qual a porcentagem de estudantes são qualificados para o ingresso em uma Faculdade ou Universidade concorrida?


Os alunos que concluem o curso secundário com currículos mais exigentes são 36,2%. Nas instituições de educação superior mais seletivas ingressam cerca de 3% dos que se candidatam a uma vaga. Assim, ao contrário de filmes americanos, a escola secundária não é o lugar por excelência para sexo, drogas, rock’n’roll e outros gêneros musicais mais recentes.

d) Como é o mercado de trabalho para os diferentes tipos de graduação do ensino médio nos EUA?

No ensino secundário há três tipos de escola sob o mesmo teto: 1) acadêmica, que prepara à educação superior; 2) vocacional, que busca preparar para uma profissão; 3) geral, que tem os currículos menos exigentes, uma espécie de última alternativa para quem não se enquadra nem no primeiro, nem no segundo caso e deve terminar o ensino secundário. 


Terminar a primeira opção, conforme o rigor, pode levar a instituições de educação superior mais ou menos prestigiosa. Existe oferta para quase todos os tipos de demanda. Se não entrar para a educação superior, tem o rito de passagem para entrada no mercado de trabalho, por ocupações não raro manuais. O trabalho manual tem menos prestígio social, porém não o mesmo estigma daqui.


O curso vocacional hoje tem dificuldade de cumprir as exigências do mercado de trabalho, cada vez maiores. Não basta.


O curso geral é o lugar dos “esquecidos”. Pela falta de conhecimentos e capacidades básicas, são grandes as dificuldades de colocação no trabalho e continuação dos estudos. É uma mina de desemprego juvenil.

5. Como você avalia o impacto da carreira acadêmica? Há lições para se extrair de tais experiências? Estas estão se expandindo? Quais são as suas contribuições para o conceito de ensino médio diversificado? 

A carreira acadêmica tem muito a ensinar à escola secundária dos EUA e do resto do mundo. Considerada “chata” por muitos alunos, apela para a abstração, para um saber aparentemente sem utilidade, o que constitui um sofrimento inaudito para muitos, em especial para os jovens socialmente menos favorecidos. Por isso, precisa tornar os alunos sujeitos responsáveis, vendo as aplicações, contextualizando a aprendizagem. Além disso, é uma alternativa realista para quem não tem possibilidades intelectuais e financeiras para a educação superior, pelo menos imediatamente após a formatura. Por outro lado, prepara adequadamente para o trabalho, numa sociedade cada vez mais exigente. Quem não corre, fica para trás.


Seus quatro princípios seriam facilmente subscritos por grandes educadores: aprender para o mundo real, aprender no contexto, aprender o que é relevante, aprender com a mão na massa.
 

Categoria pai: Seção - Entrevistas

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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