Exmo. Sr. Ministro da Educação - Fernando Haddad
ac: Chefe de Gabinete - João Paulo Bachur
Esplanada dos Ministérios Bl. L - Ed. Sede - 8º andar sala 805
Brasília - DF, CEP: 70.047-900
Telefone(s): (61)2104-85208163
 

Senhor Ministro da Educação,

 

Nos últimos 15 anos, as Neurociências têm produzido notáveis progressos na descoberta de indicações e contra-indicações de diversos procedimentos educacionais para alunos com os mais variados quadros de deficiências e transtornos de linguagem oral, escrita e de sinais de etiologia neurossensorial (surdez congênita profunda), neurolinguística (dislexia do desenvolvimento, afasia) e neuromotora (paralisia cerebral). As pesquisas na área têm demonstrado fartamente que o sucesso de políticas públicas em Educação tem sido condicionado à atenta consideração desses progressos científicos sobre a eficácia diferencial de diferentes abordagens educacionais para diferentes quadros de deficiência e de distúrbios.

 

Na Universidade de São Paulo, durante os últimos 15 anos, com patrocínio do CNPq, da Capes, do Inep, da Fundação Vitae, e da Fapesp, temos conduzido um dos maiores, mais rigorosos e mais compreensivos estudos do mundo sobre desenvolvimento cognitivo e linguístico de crianças surdas e deficientes auditivas. Para ilustrar isso, num dos estudos, avaliamos 8.000 alunos surdos, oriundos de 15 estados de todas as regiões geográficas brasileiras, e provenientes de todos os níveis educacionais, desde a educação infantil até a conclusão do ensino superior. Essa, que é uma das maiores e mais compreensivas pesquisas científicas já conduzidas sobre educação de uma população escolar surda e deficiente auditiva, avaliou cada um dos 8.000 alunos em mais de 20 instrumentos validados e normatizados que mensuram competências como leitura e escrita alfabéticas, compreensão de textos e de sinais, leitura orofacial e vocabulário em Português, e produção de textos, dentre outras. O nível de cada uma das competências foi avaliado como função da alocação escolar (escola especial versus escola comum), tendo como covariantes fatores como o nível escolar, a idade em que ocorreu a perda auditiva, e o grau dessa perda auditiva, dentre outros. Depois de examinar cada um dos 8.000 alunos durante 18 horas por aluno, a pesquisa revelou que, na educação infantil e nos primeiros 5 anos da educação fundamental, pelo menos, os alunos surdos se desenvolvem mais e melhor em escolas especiais para surdos (nas quais recebem instrução em Libras por professores sinalizadores fluentes e em meio a outros colegas surdos), ao passo que os alunos com deficiência auditiva se desenvolvem melhor em escolas comuns em regime de inclusão. A pesquisa concluiu que o melhor arranjo para crianças surdas consiste na articulação entre a educação principal em escolas para surdos durante o turno principal, e a educação complementar em escolas comuns em regime de inclusão em contra-turno complementar. A escola especial constitui o foro especializado em desenvolver competências cognitivas e linguísticas no alunado surdo; ao passo que a escola comum em regime de inclusão constitui o campo de provas para retroalimentar a educação especial, garantindo que ela se esforce em instalar no alunado as competências requeridas para que a inclusão seja realmente bem sucedida na prática, e não apenas uma carta de boas intenções. A importância da educação ministrada em Libras por professores sinalizadores fluentes em meio a colegas também surdos é tão maior quanto mais jovem a criança, e quanto maiores o grau da perda auditiva e a precocidade dessa perda auditiva. Como sua língua materna é a Libras, e não o Português, a criança surda não deve ser confundida com a criança com deficiência auditiva. Para que a educação seja humana e eficaz, é preciso que o idioma e a cultura da criança sejam respeitadas, e que a educação seja ministrada em sua língua materna (Libras) juntamente com o Português escrito, em meio a uma comunidade linguística sinalizadora. Os resultados da referida pesquisa encontram-se publicados em dezenas de fontes, algumas das quais encontram-se em anexo.

 

É imprescindível que as políticas públicas em Educação sejam fundamentadas em dados de pesquisa científica rigorosa e compreensiva, em nível nacional. A relatora Clélia Brandão Alvarenga Craveiro, do Conselho Nacional da Educação emitiu parecer CNE 13-2009 estabelecendo que alunos com deficiências sejam obrigatoriamente matriculados em escolas comuns. Contudo, como esse parecer não teve oportunidade ainda de levar em consideração o estado da arte da pesquisa científica a respeito do desenvolvimento de alunos com deficiência, rogamos que o Ministério da Educação não homologue o referido parecer, até que tenha tido a chance de examinar a mais completa e recente evidência científica a respeito.

 

Crianças com surdez profunda congênita ou pré-lingual, bem como crianças com deficiências múltiplas e com severos distúrbios múltiplos não podem e não devem ser privadas da educação especial necessária à sua condição especial, sob pena de fracassarem completamente não apenas na educação como, também, na vida. As escolas especiais foram criadas e nutridas e cultivadas pela própria comunidade ao longo das décadas por iniciativa nobre e altruísta da própria comunidade desamparada ante a omissão do poder público de outrora. Se o Ministério da Educação de hoje viesse a homologar o parecer do Conselho Nacional da Educação antes de examinar a evidência ciéntífica acerca das consequências dessa medida precipitada, ele estaria não apenas substituindo o sábio e nobre conselho da Ciência pelo volúvel conselho da Ideologia como também, o que é pior, atirando no lixo o patrimônio precioso da educação especial e, junto com ele, as vidas de milhões de crianças com quadros severos e múltiplos que têm nela a sua única esperança. Falas como toda criança é criança  e toda criança é especial roubam da criança especial o direito de ser vista como é: especial; e como todo aquele que já lidou com educação de crianças com surdez congênita profunda e com deficiências múltiplas e severas, a verdade é que algumas crianças são, mesmo, mais especiais do que as outras.

 

Confiante de que o Ministério da Educação, sensível à Educação e à Ciência, não se furtará de reexaminar os fatos antes de tomar uma decisão de implicações tão sérias como essa, ponho-me ao inteiro dispor do Ministério da Educação para fornecer detalhes ulteriores acerca dos achados mais relevantes, alguns dos quais encontram-se descritos nos arquivos anexos. Devido à frugalidade do espaço disponível, encontram-se anexados apenas alguns dos muitos relatórios dos achados.

 

Agradecendo sinceramente a atenção a esta solicitação, subscrevo-me,

 

Muito respeitosamente,

 

Fernando César Capovilla, PhD, Livre-Docente

Professor, Universidade de São Paulo

Coordenador Pandesb: Programa de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro  (Capes-Inep)


 

Categoria pai: Seção - Notícias

Pesquisar

PDF Banco de dados doutorado

Em 06 de novembro de 2024, chegamos a 2.394 downloads deste livro. 

:: Baixar PDF

A Odisseia Homero

Em 06 de novembro de 2024, chegamos a  8.349 downloads deste livro. 

:: Baixar PDF

:: Baixar o e-book para ler em seu Macintosh ou iPad

Uma palavra depois da outra


Crônicas para divulgação científica

Em 06 de novembro de 2024, chegamos a 15.809 downloads deste livro.

:: Baixar PDF

:: Baixar o e-book para ler em seu Macintosh ou iPad

Novos Livros

 





Perfil

Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

Leia Mais

Publicações

Do Campo para a cidade

Acesse: