Quem são esses brasileiros analfabetos residentes no DF?
O Projeto Leitura, tem como objetivo vencer um dos maiores desafios encontrados pelos professores e amantes da literatura: Criar o hábito da leitura.
Projeto LEF Confira artigos, trabalhos, Vídeos, Fotos, projetos na seção do Letramento no Ensino Fundamental.
MINHA VIDA NA UNB: ALGUMAS ACHEGAS Stella Maris Bortoni-Ricardo até 11990
Ingressei no Instituto de Letras da UnB em 1975. Naquela época a Universidade não estava recrutando professor sem título de doutor ou equivalente. O equivalente era a livre-docência, que supria a falta de programas de doutorado no país. Mas eu não tinha nem uma coisa nem outra, somente alguns créditos obtidos no Programa de Pós-Graduação em Linguística no Museu Nacional.
Mas me aproveitei de uma janela porque precisavam de professores para ministrar Língua Portuguesa 1 que, por ser disciplina de massa, exigia uma equipe grande de docentes. Daí abriu-se um concurso interno e eu fui aprovada em primeiro lugar. O cargo era o de auxiliar de ensino, equivalente a professor auxiliar.
Engajei-me imediatamente na tarefa de trabalhar com Língua Portuguesa 1, cuja denominação mais tarde seria alterada para Leitura e Produção de Texto.
O que mais marcava a Universidade de Brasília era o fato de estar fora do eixo Rio-São Paulo, para onde já convergiam professores estrangeiros e que já tinham uma tradição de bons professores de Língua Portuguesa, especializados em Filologia sob a influência das universidades portuguesas e francesas.
Na fundação da Universidade foram contratados eminentes professores, o que havia de melhor no Brasil então, muitos já com doutorado obtido no exterior. Mas a diáspora de 1965, dez anos antes, havia sido tão intempestiva que eles não tiveram tempo de formar grupos de pesquisa em Brasília. Os mestres que formaram também saíram durante a crise.
O recrutamento de professores para o curso de Letras era meio aleatório, a Universidade contratava professores habilitados cujos cônjuges vinham para Brasília trabalhar para o governo ou mesmo em cursos de ciências exatas na Universidade.
Quando ingressei já havia um currículo bem estruturado com vários níveis de Língua Portuguesa e de Linguística e diversificadas disciplinas de literatura. A mim e a outros colegas cabia ensinar leitura e escrita aos calouros, o que sempre foi uma tarefa árdua, dado que os alunos chegavam então, e ainda chegam, à universidade sem terem desenvolvido habilidades e competências no Letramento acadêmico. Como precisava conciliar o trabalho com o mestrado em Linguística, que comecei a cursar, em dois dias da semana, ministrava aulas em quatro turmas sucessivas, começando às 8 horas da manhã e concluindo às 18. Fiquei grata ao Prof. Augustinus Staub por ter organizado esse horário para mim, pois cumpria minha tarefa docente e fui a primeira a terminar o mestrado, iniciado em 1975. Quase todos os meus colegas de mestrado optaram por fazer suas dissertações em Linguística Transformacional, uma novidade na época. Mas eu, que já havia feito dois cursos de metodologia quantitativa de pesquisa no Departamento de Psicologia, estava interessada em Sociolinguística.
A Sociolinguística Variacionista, de matriz quantitativa teve seu nascedouro nos Estados Unidos a partir da tradição da Linguística Estruturalista e da Dialetologia, na década de 1960. Mas logo chegou ao Brasil, mais propriamente à UFRJ. O Prof. Anthony Naro interessou-se pelo paradigma e fez sua transição da linguística chomskiana para a laboviana. Como é muito generoso, logo se dispôs a vir a Brasília, convidado inicialmente pela ex-colega, Profª Lúcia Lobato, partilhar conosco a nova metodologia, que permitia trabalhar estruturalmente a Dialetologia, como previra Weinreich. Aos poucos fui lendo , com dificuldade, os livros recentes de William Labov e aprendendo a teoria sociolinguística. As análises quantitativas práticas nos foram apresentadas pelo Anthony Naro.
Após alguns semestres de árduo trabalho lecionando e estudando, o Prof. Antonio Salles Sobrinho perguntou-me se eu gostaria de ministrar Língua Portuguesa IV , dedicada ao Português do Brasil. Foi uma maravilha. A primeira ementa da disciplina fui eu que compus. Passei a ler com empenho e até volúpia os autores que já haviam publicado livros sobre o que Serafim da Silva Neto chamara de história externa de Língua Portuguesa no Brasil, distinguindo-a da história interna, familiarizando-me com a obra de Mattoso Câmara, Antenor Nascentes, Gladstone Chaves de Melo, Sousa da Silveira e dos dialetólogos pioneiros como Amadeu Amaral e J. A. Teixeira.
No período de 1980 a 1983, realizei meu doutorado na Universidade de Lancaster, Reino Unido. Antes já havia passado um ano, como bolsista Fulbright, na Universidade do Texas em Austin.
Não posso dissociar minha biografia,nos primeiros anos de UnB, das mudanças de natureza macro política por que passava o país. Situada na capital federal, nossa universidade sofria rápida e intensivamente o influxo das mudanças sociopolíticas. A própria existência do Instituto de Letras veio a depender dessas mudanças. O Plano Diretor da |Universidade, na década de 1960, previa um instituto de letras, que deveria associar-se às embaixadas estrangeiras creditadas em Brasília, para o ensino de línguas e culturas de outros países.
Na década de 1970, a política nacional de educação passou por alterações significativas, com ênfase no ensino profissionalizante . Por influência de modelos da teoria da comunicação, o trabalho pedagógico com a Língua Portuguesa nas escolas passou a ser referido como Comunicação e Expressão. A novidade atingiu a UnB, que reduziu o Instituto de Letras a um gigantesco departamento único e o associou à Comunicação e à Música, em um Instituto de Comunicação e Expressão, entidade que padecia de um forte sentimento de anomia e de identidade. Fui eleita chefe desse grande departamento de Letras, herdeiro do antigo instituto. Nessa condição, preparei o processo para que o departamento voltasse e ser dividido em três, um deles dedicado à Língua Portuguesa e à Linguística; um outro dedicado às Literaturas e Teoria Literária e um terceiro que se ocupou das línguas estrangeiras e do Curso de Tradução, recém-criado.
Em meados da década de 1980, o país experimentou um salutar processo de redemocratização com a eleição de Tancredo Neves. A UnB também elegeu seu primeiro reitor escolhido pela comunidade. O Instituto de Letras , no seu formato original de três departamentos, é reorganizado.
Pouco tempo depois, quando retornei de meu doutorado, fui eleita diretora desse Instituto, na década de 1990. Paralelamente assumi a presidência da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística – ANPOLL, e me empenhei muito no trabalho de orientação na pós-graduação stricto sensu em Linguística. Hoje em dia, já conto em meu currículo com mais de cem ex-alunos, doutores e mestres, de Linguística e de Educação, para onde me transferi em 1998, depois de me aposentar por tempo de serviço no Instituto de Letras.
Quando prestei concurso e fui aprovada para a carreira de Professora Titular de Linguística em 1993, citei a frase do espanhol Ortega y Gasset, em meu memorial : “O homem e suas circunstâncias”. Agora, ao ajuntar essas parcas achegas, percebo melhor do que nunca como minha vida, e certamente a de todos os meus colegas, foi dirigida pelas circunstâncias que marcaram este país nas últimas décadas do século XX. Ao todo tenho 38 anos de trabalho como docente e pesquisadora na Universidade de Brasília. Recebi convites do Brasil e do exterior nesse tempo para lecionar em outras instituições, mas nunca pensei seriamente em sair da UnB, e não me arrependo. Trabalhando em Brasília, sinto que sou parte do esforço nacional de colonização do Centro-Oeste deste nosso grande país; particularmente, me sinto gratificada de formar professores que estão fazendo um Brasil melhor, mais justo, mais igualitário. Tenho desenvolvido muitas pesquisas, mas cito em especial os projetos voltados à descrição e análise dos processos de difusão e focalização dialetais no Distrito Federal. Parte dessa pesquisa está publicada na coletânea O falar candango( Editora da UnB, 2010.
Stella Bortoni é professora titular de Linguística da Universidade de Brasília (Faculdade de Educação e no Doutorado em Linguística). É formada em Letras Português e Inglês pela PUC-Goiás, (1968), tendo cursado o primeiro ano no Lake Erie College, em Ohio, US; tem mestrado em Linguística pela Universidade de Brasília (1977) e doutorado em Linguística pela Universidade de Lancaster (1983). Fez estágio de pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia(1990). Foi bolsista Fulbright na Universidade do Texas em Austin (1978-9).. Suas publicações mais recentes podem ser acessadas em www.stellabortoni.com.br. email: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.