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'Papai, todo mundo morre?'

  Adams Carvalho/Folhapress  
 

23/07/2017  02h00

Não dá pra dizer que a pergunta me pegou de surpresa. Temia por este momento desde muito antes de ter filhos, desde que percebi, ainda na adolescência, que tinha tão pouca fé em qualquer faixa bônus para além da última diástole quanto coragem para transmitir a má notícia a uma criança.

O que eu ia falar quando chegasse a hora? "Veja, meu filho, a vida é uma improbabilidade absurda decorrente de fenômenos físicos e químicos aleatórios controlados por nada ou ninguém e a consciência, isso que chamamos de 'eu', nada mais é do que uma tempestade de descargas elétricas e liquidinhos entre neurônios; quando a gente morre desliga-se a chave geral, fecham-se as comportas, a consciência desaparece e o nosso corpo é comido por vermes e bactérias. Toma, lê aqui 'A Origem das Espécies' e 'Memórias Póstumas de Brás Cubas'." Não. Não ia rolar.

O medo daquele instante, contudo, não me levou a pensar numa estratégia, a elaborar um discurso, a gastar cinco minutos numa das 20 visitas ao pediatra para pedir um conselho. Já havia quatro anos que os deliciosos circuitos neuronais mais conhecidos como Olivia estavam entre nós, dois e meio que as sinapses do Daniel vinham nos dando o ar de suas graças e mesmo assim fui pego absolutamente desprevenido, ralando um queijo sobre a sopa de ervilhas, na hora do jantar: "Papai, todo mundo morre?"

A pergunta, como você há de ter percebido, chegou enviesada, prenhe da resposta que a Olivia gostaria de ouvir: "Não, filhota, imagina! Só morrem umas pessoas nada a ver, gentios ou infiéis que a gente nem conhece, além dos peixes, galinhas, porcos e bois das refeições. Eu, você, o Dani, a mamãe, a família, os amigos e todo o Grupo 2 e 3 da escola vamos viver pra sempre, relaxa e come aí a sua sopa".

Sem saber como sair da enrascada, resolvi apelar para a verdade: "Sim, Olivia, todo mundo morre". Infelizmente, como sói acontecer, a verdade não foi muito bem recebida. "Mas eu não quero morrer, papai! Eu não quero morrer!". Pensei melhor no assunto e resolvi mentir um pouquinho: "Minha filha, a gente só morre quando fica muito, mas muito, muito velho". "Então a bisa Augusta vai morrer! Ela é muito, muito, mas muito velha!".

Já que eu estava com a ficção pelas canelas, decidi mergulhar de vez: "Não, Olivia. A bisa Augusta é jovem, ela ainda tá com 97, só morre muuuuuuito mais velha do que isso".

Servi a sopa. Olivia ficou encarando as ervilhas com uma concentração shakespeariana. Cada bolinha verde, uma caveira de Yorick. Então ergueu os olhos, séria. "Papai, na minha classe, no Grupo 3, tem um menino que chama Baltazar". Tremi nas bases. Iria ela me dizer que a mãe do Baltazar, do Grupo 3, tinha morrido? O pai? A mãe E o pai? O próprio Baltazar? Como eu iria explicar que tinha mentido, que a vida era isso aí mesmo, uma barafunda inglória em que crianças morrem, bandidos viram presidentes e CEOs, poetas passam fome e o Gugu Liberato nada em milhões? "O Baltazar, do Grupo 3, papai... Ele levou de lanche, outro dia, uma mexerica sem caroço!".

"É mesmo, Olivia?! Uma mexerica sem caroço?! Que legal! Eu vou comprar pra você uma mexerica sem caroço! E melancia sem caroço! E uva sem caroço! Vamos encher essa casa de fruta sem caroço, eu prometo!". Abracei cada um deles bem forte, entreguei as colheres de sopa e me escondi atrás da geladeira, onde dei uma chorada rápida antes de voltar com os guardanapos. 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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