O Projeto Leitura, tem como objetivo vencer um dos maiores desafios encontrados pelos professores e amantes da literatura: Criar o hábito da leitura.
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Prezado Sr. Reinaldo Azevedo,
Começo por dizer-lhe que leio sempre com muito interesse os seus textos, que dão testemunho de sua coragem na expressão de seu pensamento e de muita erudição. Já tive oportunidade de recomendá-los inclusive a meus filhos. Não tenho a pretensão de deter, ou de exibir, no mesmo grau, nem uma nem outra dessas qualidades, mas desejo tecer alguns comentários sobre seu artigo “Restaurar é preciso; reformar não é preciso” ( Veja, 12 de setembro de 2007). Sou linguista e educadora e dedico o melhor do meu empenho profissional à formação de professores.
Concordo, pelo menos parcialmente, com algumas das ideias avançadas no artigo. De outras discordo radicalmente. Vejamos.
O propósito da reforma ortográfica não é atuar como uma panaceia para os sérios problemas educacionais do Brasil. Se implementada poderá contribuir para uma melhor difusão e um melhor aproveitamento dos livros e demais portadores de textos impressos nos oito países lusófonos. Considerando que todos eles, uns mais que outros, têm produção editorial limitada, e também público leitor pequeno em relação às suas populações,terão muito a ganhar se todo o material impresso em qualquer dos oito países se guiar pelas mesmas normas ortográficas e circular sem restrições de qualquer ordem. É o que acontece nos países hispânicos.
O senhor tem razão quando dá exemplo de nações, como a França, que são avessas a reformas ortográficas. Países onde se fala francês ou inglês têm um acervo tão grande de publicações e uma tradição letrada tão consolidada que, em sua política linguística, preferem preservar a tradição gráfica milenar , assumindo o ônus de ter a representação escrita da língua muito distante de sua expressão oral contemporânea. Esse é um ônus especialmente severo no momento de alfabetizar , mas esses países têm recursos e know how suficientes para arcar com ele. Mesmo assim, não se pode esquecer que no país mais rico do mundo o cidadão comum, e particularmente os estudantes, têm grande dificuldade no domínio da ortografia.
Ao fazer esse comentário, não estou querendo dizer que a reforma ortográfica que vem sendo discutida vai ajudar a tornar todos os brasileiros leitores fluentes. De fato, a grafia do português, proposta por fonólogos lusitanos no século dezenove, já tem caráter razoavelmente fonêmico, isto é, não temos uma relação biunívoca entre as letras e os fonemas da língua, mas como houve sucessivas reformas ortográficas, as ortografias vigentes refletem , com poucas exceções, a pronúncia contemporânea da língua . Os principais problemas com que nossos alfabetizandos deparam decorrem, de fato, da transferência de características da fala para a sua produção escrita, como por exemplo, a supressão do som do /r/ em final dos infinitivos verbais, muito comum na fala dos brasileiros em geral. Mas essa é uma seara em que a reforma, acertadamente, não intervém, pois são problemas que têm de ser tratados no processo de alfabetização.
Fico imaginando que o senhor terá nascido e sido criado em uma família afeita às práticas de leitura e escrita. Crianças que provêm de famílias letradas neste país já trazem consigo para a escola bastante familiaridade com o que hoje vem sendo chamado de cultura de letramento. Mas não é essa a realidade de milhões de brasileiros. Segundo o Índice Nacional de Alfabetismo, INAF, 74 % dos brasileiros adultos são analfabetos funcionais. Na Finlândia e em alguns outros países adiantados, a s crianças são alfabetizadas na família. Mas como (e quando?) isso poderia acontecer no Brasil se apenas 26% dos adultos leem com desenvoltura?
Quando as escolas brasileiras priorizam o “universo do educando ‘”_ expressão que lhe parece uma empulhação pedagógica, estão ajustando seu trabalho aos antecedentes dos alunos, considerando especialmente a realidade daquele que não teve oportunidades de participar de práticas letradas entes de chegar à escola. Esse aluno não é menos capaz, apenas tem menos experiência com o mundo da escrita e da leitura. Levar em conta o “universo do educando” não é restringir a esse universo o trabalho escolar, é tomá-lo como ponto de partida. Ou, como disse o sociolingüista educador, Dell Hymes, (ele é norte-americano, não é comunista nem terceiro-mundista): “To speak to their condition” , orientar o trabalho escolar à condição dos educandos. O ponto de partida é flexível, mas o ponto de chegada tem de ser o mesmo para todos , que têm de aprender a ler, a escrever e a usar as operações matemáticas básicas no ensino fundamental, de modo a poder valer-se essas habilidades para continuar a aprender.