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Seis semanas de férias

Nestas seis semanas de férias, que passamos à beira-mar, todo verão, em busca de lazer e de iodo marinho que possa prevenir um mineiríssimo bócio em minha tireoide,  sempre contamos com o apoio de alguma moça da terra, que  se encarregue  da cozinha e mantenha a casa limpa, o que me é muito conveniente, já que não sou afeita aos trabalhos domésticos.

Neste verão temos uma moça de pouco mais de vinte anos, nascida  e criada na cidade de Salvador.

Há poucos dias ela me disse:

_ D. Stella, é preciso comprar um limpa vidros porque o box no banheiro está  embaçamado.

É claro que entendi perfeitamente o que  ela queria, mas resolvi espichar a prosa.

_ O que que há com o box? Perguntei.

_ É que fica embaçamado, por causa da maresia.

Não sei se o  “embaçamado” é uma variante local ou se é idiossincrático, do repertório de minha auxiliar.  Teria que perguntar à Profa. Suzana Alice Cardoso da UFBA que, além de baiana, é uma exímia dialetóloga e coordena um projeto de dialetologia de âmbito nacional.

Mais tarde, depois que comprei o líquido de limpar vidros, uma amiga nos presenteou com uma tigela de mungunzá. Só de olhar  já vi que era uma  vasilha com canjica.  Aquela feita  de  grãos de milho no molho de leite, ao qual algumas pessoas acrescentam coco ralado ou até amendoim. É um prato muito popular em nossas festas juninas no Distrito Federal.

Pois bem, por aqui, canjica tem o nome de mungunzá e  a nossa canjica é referida como curau, que pra nós não é canjica, é um creme de milho verde, muito saboroso.

Complicado? Não é muito. Isso é variação lexical, a que incide nas palavras. Neste país muito grande, com quase duzentos milhões de habitantes, não há muita variação linguística de natureza geográfica. Ou melhor, a variação regional é percebida principalmente na curva melódica dos enunciados, que chamamos de sotaque,  e em algumas palavras, que variam de um lugar para outro, mas não impedem a compreensão entre pessoas de diferentes regiões.  É o caso de  “canjica”. De fato, há mais variação quando comparamos o português que usamos nas áreas urbanas e o que é empregado em áreas rurais, ou rurbanas, ou seja, áreas situadas nas periferias das cidades ou em distritos, onde a população preserva muitos traços de sua cultura rural.

Aproveitei a canjica e o mungunzá para explicar à minha auxiliar que às vezes temos dois nomes, ou até mais, para nos referirmos à mesma coisa. É o caso do vidro ‘embaçamado’. Você diz embaçamado, eu digo ‘embaçado’. Tanto faz uma forma ou outra.  Nós geralmente usamos a que é mais usual  na fala das pessoas que nos cercam.

Quando temos duas variantes de uma mesma palavra, é comum que uma delas seja avaliada como correta, enquanto a outra recebe a pecha de erro, ou de manifestação de ignorância, mesmo quando ambas estão dicionarizadas.  Essa é uma atitude muito disseminada na sociedade brasileira.

Nas escolas que recebem alunos de diversas origens geográficas, alguns oriundos de zona rural, com frequência aqueles que falam de modo diferente sofrem discriminação.  Contou-me uma colega professora que, ao frequentar a sua primeira escola, recém chegada do campo, perguntou à professora:

_ “É pra copiar o que tá lá em riba, no quadro também?” _  apontando para  a data  e o nome da escola, dispostos bem em cima, no quadro de giz.

A professora caçoou dela. Disse que “em riba” é fala de gente ignorante.

  Lamento dizer isso, mas foi a professora nesse caso que deu  prova de ignorância. Desconhecia a expressão ou a julgava inadequada ou anacrônica.  Por mais estranhos que os modos de falar de nossos alunos soem aos nossos ouvidos, acostumados à linguagem urbana, ou à linguagem veiculada na mídia, a expressão de nossos alunos ou de qualquer outro interlocutor merece todo o respeito. E é bom aprendermos também que, em qualquer língua, existem com freqüência duas ou mais formas de se dizer a mesma coisa.

Despeço-me aqui dizendo _”Tchau”; mas poderia dizer também _ “Até amanhã”, ou “Até à vista”, ou “Até outro dia”. Também podia dizer: _ Vou vazar, fui”.

Posso escolher qualquer uma dessas formas de me despedir. Geralmente escolhemos a que julgamos que será mais bem recebida pelo interlocutor. Quanto ao mungunzá ou canjica,  experimentem. Vale a pena.

 

Salvador, BA, 16  de fevereiro de 2009

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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