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ASSIM NÃO DÁ" OU "ASSIM NÃO DAR"?


Por MARCOS - 12/08/2013 às 09:22

 


Faz algum tempo, recebi uma comovente mensagem de um “jovem estudante de Letras” do estado do Tocantins. Ao falar de como a ciência linguística tinha mudado sua vida, ele escreveu frases como as seguintes: “eu nunca me sentir à vontade e seguro para falar”; “apesar de gostar muito de lê”; “quando terminei de lê”; “infelizmente, perdir meu precioso tempo”.  Na mesma época, fui convidado a dar uma palestra numa cidade do interior da Bahia. A pessoa que me convidava escreveu: “você estar livre para discorrer o tema”. Mais recentemente, no Facebook, encontrei duas postagens com os seguintes dizeres: “Pode não dá certo, mas você só vai saber se arriscar” e “Você acha ela bonita? Então click no link para vê como ela era antes”.

A essa altura, @ leitor@ já percebeu a questão que vou tratar aqui e que aparece já no título. Vem ocorrendo uma confusão por parte de muitas pessoas no momento de escrever verbos no infinitivo e verbos conjugados. Como tudo que acontece na língua, essa confusão não é obra do acaso. Afinal, se tantas pessoas “erram” de maneira idêntica, tem que haver uma explicação lógica para o “erro” – e, de fato, tudo o que se chama de “erro” em língua tem uma razão de ser, tem uma explicação.

Para começar, é preciso ter consciência de que não é todo e qualquer verbo que se deixa apanhar nessa rede. Os poucos exemplos dados acima já nos permitem tirar pelo menos uma conclusão: o fato ocorre quando o verbo conjugado tem uma forma que, na pronúncia, é idêntica à do infinitivo. Esse caso se resume a poucos verbos: crer/crê; dar/dá; estar/está; ler/lê; ver/vê. Poucos, sim, mas com uma altíssima frequência de uso. Esses verbos estão conjugados no presente, mas o mesmo fenômeno se percebe com verbos da 2a e 3a conjugação no pretérito perfeito: perder/perdi; sentir/senti.

Ao responder ao convite para a palestra, chamei a atenção da pessoa, que trabalhava na Secretaria de Educação do município, para o uso que ela fazia da forma estar no lugar de está. Curiosamente, na mensagem seguinte, ela agradeceu minha observação: “Obrigado, professor, já corrigir”. O que para muitas pessoas seria motivo para fazer uma piada e arrancar risos da plateia, para mim era um dado de pesquisa importante, a confirmar minhas hipóteses.

No caso do estudante de Tocantins, a ocorrência de “perdir” em vez de perdi (infinitivo: perder) revela também um fenômeno de hipercorreção, ou seja, a tentativa de acertar sempre, exagerando uma regra normatizada. As pessoas que confundem os infinitivos com as formas conjugadas provavelmente já eliminaram de vez em sua variedade linguística o som [r] do final das palavras e, principalmente, dos infinitivos verbais. Por isso, no momento de escrever, e sabendo que em algumas ocasiões deve existir um R no final da palavra, elas escrevem essa letra sem ter muita certeza de onde ela deveria aparecer. Como tudo o que acontece na língua, estamos aqui na presença de um fenômeno híbrido, no qual interferem traços da variedade linguística do falante (a eliminação do [r] do final das palavras) e o sentimento de insegurança linguística que leva à hipercorreção (escrita do R onde ele não deveria aparecer pelas regras da ortografia oficial).

Diversos estudiosos da fonologia, a ciência dos sons das línguas, apontam para a existência, nas diferentes línguas do mundo, de uma tendência à “sílaba ideal” – um conjunto de sons que siga a ordem CV.CV, isto é, consoante-vogal-consoante-vogal (como em ba-tu-ca-da). Por que essa sílaba é ideal? Porque, do ponto de vista articulatório, é mais cômodo fisicamente iniciar uma palavra com uma explosão/oclusão e terminá-la com uma vogal, que é uma passagem livre do ar pela garganta e pela boca. Analisando centenas de línguas diferentes, os pesquisadores têm demonstrado que essa tendência se verifica na história das línguas. Algumas já atingiram esse ideal, como o japonês, o malaio, o tupi entre várias outras, que não admitem encontros consonantais nem palavras terminadas em consoantes. Veja que a palavra cruz foi transformada pelos falantes de tupi em curuçá, assim como Brasil em japonês é Burajiru.

No caso do português brasileiro, já são poucas as consoantes que podem aparecer em final de palavra: [l], [s] e [r]. É bom lembrar que as letras M e, raramente, N aparecem em final de sílaba, mas servem somente para indicar uma nasalidade da vogal anterior: bombom se pronuncia [bõbõ]. Quanto ao Z, em final de palavra soa [s]. Mesmo sendo poucas, nossa tendência à sílaba ideal nos leva a querer eliminá-las também. O [l] final, realmente, na maioria das variedades brasileiras, é pronunciado como a semigoval [w]: Brasil [braziw], coral [koraw]. Isso explica a dificuldade que praticamente todo mundo tem na hora de escrever mal e mau... O [s] final que, quase sempre, é indicador de pluralidade, tende também a desaparecer quando a marca de plural já vem explícita num determinante (artigo, demonstrativo, possessivo etc.): os menino, as geladeira, meus colega, essas coisa etc. E, por fim, o [r] é simplesmente eliminado, sobretudo em infinitivos verbais mas também em outras palavras: amor [amô], professor [profesô], doutor [dotô] etc.

Tudo isso explica satisfatoriamente a confusão que já aparece em textos mais monitorados entre dá/dar, está/estar, corrigi/corrigir etc. Com essa consciência, a professora vai tomar mais cuidado com a escrita de seus alunos e desenvolver estratégias para que, ao escrever, eles saibam reconhecer a diferença entre o verbo conjugado e o infinitivo. Afinal, existe uma ortografia oficial que é única e tem de ser respeitada, e a função da escola é precisamente ensinar a escrever de acordo com convenções que, vale lembrar, são estabelecidas por lei.

Mais uma vez, a melhor maneira de ensinar a diferença entre o infinitivo e o verbo conjugado é recorrendo a textos autênticos, e eles são muitos em sala de aula: os textos que aparecem nos livros didáticos, além dos livros que são lidos durante o ano letivo (os chamados “paradidáticos”). Podemos também recorrer a letras de música, a histórias em quadrinhos, enfim, a qualquer texto interessante como leitura (ou como audição, no caso da música) em que apareçam as formas que desejamos trabalhar.

Por exemplo, no refrão da conhecida canção “Quem te viu, quem te vê”, de Chico Buarque, temos


Hoje o samba saiu procurando você,
quem te viu, quem te ,
que não a conhece não pode mais ver pra crer,
quem jamais a esquece não pode reconhecer.

 

Podemos chamar a atenção dos alunos para a diferença, apelando para o poder de análise que todo falante tem, perguntando a eles:
Por que no segundo verso aparece e no terceiro aparece ver?

Mostre, por exemplo, a diferença entre assim não dá e assim não vai dar. Aproveite todas as ocasiões de leitura e produção de texto para tocar no assunto e pedir aos alunos que expliquem a diferença.

Nada justifica gastar tempo com bobagens inúteis como a suposta (e nunca provada) diferença entre “adjunto adnominal” e “complemento nominal” ou com classificações abstrusas (“oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo”), enquanto coisas tão fundamentais como essa diferença entre e dar merecem muito mais a nossa atenção!

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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