Ciclos, Progressão Continuada e Aprovação Automática:
contribuições para a discussão
Educação: teoria e prática, Rio Claro, SP, Brasil - eISSN: 1981-8106
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Resumo
O presente artigo pretende contribuir para a discussão sobre o processo de organização
escolar a partir dos conceitos de ciclos, progressão continuada e aprovação automática.
Para tanto, utilizou-se o resgate histórico, a análise dos documentos oficiais, bem
como da literatura pertinente à temática para contextualização da origem dessas
propostas e das concepções de avaliação subjacentes a elas. O texto procura esclarecer
a questão dos ciclos, da progressão continuada e promoçãoaprovação automática,
buscando analisar de que modo essas idéias carregam, potencialmente, a possibilidade
de os profissionais da educação rediscutirem a organização escolar e, implicitamente,
as marcas das políticas educacionais que as propõe.
Palavras-chave: ciclos; progressão continuada; aprovação automática; avaliação; política
educacional.
Cycles, Continuous Progress, Automatic Promotion:
contributions for the discuss
Abstract
The present article aims to contribute for the discussion on the process of school
organization starting from the concepts of cycles, continuous progress and automatic
promotion. For that it was used the historical recover, the analysis of the official documents
as well as of the literature that is pertinent to the subject, seeking the contextualization
of the origin of those proposals and of the assessment conceptions that are underlying
to them. The text tries to explain the subject of the cycles, of the continuous progress
and automatic promotionapproval, analyzing how those ideas carry, potentially, the
possibility of the professionals of the education possibility rediscuss the school
organization and, implicitly, the marks of the education politics which propose them.
Key words: cycles; continuous progress; automatic promotion inside education;
assessment; educational policy.
EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - v. 18, n.31, jul.-dez.-2008, p.73-86.
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Introdução
Durante o período de realização do trabalho como Assessora em Avaliação
junto ao Departamento Pedagógico (DEPE) da Secretaria Municipal de Educação
de Campinas na gestão 2005-2009, com atuação, mais especificamente,
em 2005, muitos eram os questionamentos e dúvidas dos profissionais da rede
municipal de Campinas em relação aos ciclos, a progressão continuada e a promoção
automática.
Motivada e instigada pelos questionamentos desses profissionais da rede,
que demandavam esclarecimentos sobre as questões mencionadas; fruto do debate,
das sínteses e da exigência de sistematização das informações para
disseminá-las nos diversos espaços escolares da rede, surgiu a perspectiva de
construção do presente artigo em 2006.
Os temas, embora recorrentes e, talvez, academicamente bastante analisados,
para os profissionais da educação da rede municipal de Campinas ainda
suscitavam dúvidas, visto que a progressão continuada existia na rede estadual,
mas não na rede municipal. Naquele momento, vivia-se um processo de discussão
e de tentativa de implantação de uma política de reorganização escolar envolvendo
novos tempos e espaços escolares com a proposta do ciclo com progressão
continuada (para o primeiro nível de escolaridade) e a escola de tempo integral,
entre outras.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é contribuir para a discussão sobre
a organização escolar a partir de esclarecimentos sobre ciclos, progressão continuada,
aprovação automática, buscando caracterizá-los, descrevê-los,
contextualizá-los historicamente para melhor compreensão dos mesmos e, dessa
maneira, possibilitar a apropriação dos conceitos e, consequentemente, dos
respectivos significados pelos sujeitos cujas práticas envolvem essas questões.
Assim, apresentam-se aqui esclarecimentos sobre o sentido dos termos
- ciclos, progressão continuada, promoção automática - que vêm frequentando o
dia-a-dia escolar, incorporando-se à fala dos profissionais da educação para que
se desfaçam ambigüidades ou dúvidas que impedem o pensamento de mudanças,
a reflexão sobre outras formas de organização escolar, antes mesmo que
elas sejam implantadas e analisadas, tendo em vista seu potencial educativo.
Este trabalho permeado por vozes resultantes dos debates com os profissionais
da educação da rede municipal de Campinas lançou mão do resgate
histórico para contextualizar a origem das propostas e as concepções subjacentes
a elas. Assim foram analisados documentos oficiais, bem como a literatura perti-
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nente à temática, com a seguinte organização: esclarecimentos sobre ciclos,
progressão continuada e promoçãoaprovação automática; e em seguida, a discussão
de como os ciclos e a progressão continuada carregam potencialmente a
possibilidade de os profissionais repensarem a organização escolar e, ao mesmo
tempo, implicitamente, as marcas das políticas educacionais que as propõe.
Ciclos
Compreender o que são os ciclos não é tarefa muito fácil porque em
nosso país, as propostas de ciclos se construíram de diferentes maneiras e segundo
concepções diversas, o que dificulta a pretensão a uma única assertiva ou
compreensão sobre sua constituição. No entanto, no cerne na concepção dos
ciclos está a forma de organizar o tempo e o espaço escolar, em contraposição à
clássica forma seriada. Nesse aspecto espaço-temporal centra-se a grande possibilidade
de organização da escola.
Embora se observe o emprego generalizado da expressão ciclos,
na literatura, na legislação e em documentos de várias redes
públicas de ensino do país, para caracterizar uma organização de
ensino oposta à seriação, uma análise mais detalhada de seu
emprego indica uma diversidade de conceitos, bem como de
iniciativas de organização escolar (ALAVARSE, 2003, p.7).
É interessante lembrar que a atual forma de organizar o espaço e o tempo
escolar – através da seriação – é herança de Comenius (século XVII), período
em que essa forma de organização escolar também possuía uma intencionalidade:
“A regularidade, ritmo e harmonia do trabalho escolar deveriam garantir uma organização
produtiva em termos de eficiência, rapidez, precisão e também padronização”
(FONTANA, 2003, p. 129). Ou seja, a finalidade era otimizar, potencializar
a utilização do tempo e do espaço para se ensinar num mesmo ritmo, muitos
alunos. Passado tanto tempo, é compreensível e esperado que, com a evolução
da sociedade e da educação, as pessoas ligadas à área tenham apontado outras
propostas para romper com esta forma historicamente instituída. Assim, os ciclos
ganham potencialidade.
A possibilidade da organização não seriada do ensino não se constituiu
novidade na legislação que normaliza o ensino institucionalizado. Segundo SOUSA
(1998), ela está presente desde a LDB no 402461, artigo 104, com caráter experimental
e, na Lei no 569271, artigo 14, é explicitada como alternativa e, a partir
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da LDB no 9.39496, artigo 23, fica instituída possibilidade da implantação dos
ciclos.
A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos,
grupos não-seriados, com base na idade, na competência e outros
critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar
(LDB, 1996, artigo 23).
FREITAS (2003, p.7) aponta que, na legislatura de 2002, havia intenção
de suprimir a palavra ciclos presente no artigo da lei, mas como não foi recuperado
pelo autor do artigo, acabou sendo arquivado, mostrando-nos “a indisposição
que a utilização de ciclos como organização pedagógica tem suscitado”
O total de escolas organizadas em ciclos no país, segundo os dados do
censo escolar de 2002, indicavam 10,9% (FRANCO, 2004), o que significa que
grande parte do nosso sistema de ensino se organiza, ainda, pela forma seriada.
Esse dado é importante, principalmente porque muitas críticas foram destiladas
logo de início demonstrando as “falhas” dos ciclos e apontando que a aprendizagem
ficava prejudicada por essa nova forma de organização, devido, principalmente,
à ausência da reprovação.
No entanto, observamos que a maioria das escolas (aproximadamente
80%), estão organizadas de forma seriada, persistindo nesse modelo e, ainda,
com a possibilidade de reprovação (e, em alguns casos altos índices de reprovação).
As estatísticas sobre o desempenho escolar dos alunos, fornecidas pelo
Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, não se constituem como
reveladoras de qualidade de ensino, muito pelo contrário, indicam-nos quanto
estamos “devendo” aos alunos em relação à aprendizagem. Com isso, quero
apontar que o problema do ensinar com qualidade para todos os alunos está
presente para todas as formas de organização escolar e não somente para a de
ciclos. Poderíamos, ainda, questionar que, em tantos anos da existência do
modelo seriado, o problema da não qualidade da educação persiste e, pior, o
modelo tende a acirrar ou, no mínimo, manter as desigualdades escolares e sociais,
como se pode observar pela quantidade de turmas que iniciam e terminam o
Ensino Fundamental.
Portanto, as novas formas de organização do tempo e do espaço escolar,
denominadas de ciclos ou de outro nome que se pretenda apresentar, em contra-
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dição com a forma seriada permite repensar a finalidade da educação e,
consequentemente, a concepção de homem e sociedade. Definir com clareza o
que se pretende nesse novo tempoespaço e persegui-lo, repensando as posturas
e concepções frente à educação e à prática pedagógica, representa grande
desafio para todos os profissionais da educação.
Progressão Continuada