Entrevista concedida ao Jornal da Comunidade em 27 de agosto de 2007.

 

Jornal da Comunidade: Leitura. Ela é o instrumento básico do conhecimento. Na sua opinião, qual o papel da leitura para a formação das pessoas? Existe algum pré-requisito para desenvolver nas pessoas este hábito?

 

Stella Maris: O acesso à palavra escrita é essencial à vida das pessoas especialmente nas sociedades contemporâneas onde o letramento assumiu papel de grande importância. Praticamente todas as atividades e rotinas da vida contemporânea estão ancoradas na leitura de textos escritos. Na atualidade discute-se muito a cultura de ICT, isto é, “information and communication technology”, cuja base é a escrita.

Na Grécia Antiga o conhecimento sistematizado era transmitido pela oralidade, mas foram os próprios gregos do século IV a.C. que começaram a fazer uso da escrita para registrar os avanços do conhecimento. Na Idade Média o conhecimento sistematizado ficou restrito aos mosteiros e era preservado com o trabalho dos escribas. Desde a invenção da prensa por Gutemberg e a conseqüente expansão da imprensa, a leitura se difundiu, primeiramente na Europa e dali para os países colonizados. Quando foi criada a escola nos moldes em que ela existe até hoje, os livros passaram a ser o principal veículo na formação educacional.


Jornal da Comunidade: Qual é a boa leitura? Existe essa consideração ou isso é um assunto subjetivo? Quais?

Stella Maris: Acredito que ler é sempre uma atividade benéfica, mas a boa leitura depende do objetivo do leitor. Se ele busca instruções para montar um equipamento, por exemplo, a boa leitura naquele momento é o manual de instruções; se ele deseja um bom entretenimento, a boa leitura é um bom romance, uma revista em quadrinhos, um best-seller, etc. Se ele quer rezar ou meditar, a boa leitura é a Bíblia, vida de santos, o Alcorão, etc.


Jornal da Comunidade: O hábito de ler. É tão raro em muitas pessoas de hoje. Quais as dificuldades a seu ver?

 

Stella Maris: Ler é um hábito que precisa ser implantado e desenvolvido. Geralmente crianças que crescem em famílias onde há material de leitura, especialmente livros, tendem a adquirir esse hábito desde cedo, mesmo porque a leitura passa a ser um tema freqüente nas interações. Quem não tem essa vantagem inicial tem de acostumar-se a ler por incentivo da escola. Nos países desenvolvidos as pessoas lêem muito mais do que no Brasil e há mais facilidades de acesso aos livros e periódicos em bibliotecas e centros de leitura. É desejável que todas as escolas brasileiras tenham pelo menos uma estante ou caixa de livros onde os alunos possam escolher livros e levar consigo para casa.

Jornal da Comunidade: Por que o País é tão atrasado e não consegue implantar uma política até mesmo pedagógica que fortaleça o hábito em crianças e jovens? Qual sua sugestão para melhorar a questão?

 

Stella Maris: Temos imensos problemas no Brasil com relação à difusão da leitura. Para começar, somente 26% dos brasileiros de mais de quinze anos são funcionalmente alfabetizados de acordo com o INAF (www.ipm.org.br). Também os livros, revistas e jornais não chegam a muitas localidades em áreas rurais, distritos ou municípios muito remotos.

Jornal da Comunidade: E os livros, tão caros...Isso é um obstáculo à democratização da leitura no país?

 

Stella Maris: Para o padrão econômico médio do brasileiro os livros são caros. Seria bom que todas as comunidades pudessem dispor de bibliotecas públicas, com livros, revistas, jornais e acesso à internet.

Jornal da Comunidade: A Feira do livro é um evento importante para disseminar a prática da leitura? Qual o formato de evento interessante para promover os hábitos de ler?

Stella Maris: A feira do livro é uma iniciativa importante porque atrai alunos de escolas e pessoas que normalmente não freqüentam livrarias. Os eventos que têm lugar durante a feira, como entrevistas com escritores, sessões de contação de histórias, etc. também mobilizam a comunidade e despertam  o interesse pelos livros.


Jornal da Comunidade: Em relação ao tema, o que é interessante incluir que não está nos temas acima?

 

Stella Maris: Veja os fragmentos abaixo que estou extraindo de trabalhos meus publicados:

2. A partir do século XIX, a percentagem de analfabetismo (considerando como analfabeto o que não sabe ler e escrever; ou seja, no sentido censitário tradicional), começa a cair no Brasil. No entanto, até 1920, o índice de analfabetismo  ainda superava 23 de sua população, o que equivalia a 64,9% das pessoas acima de quinze anos. Supõe-se que a taxa de analfabetismo entre as pessoas nessa faixa etária era de 77% na época dos censos de 1872 e 1890 (nessas ocasiões os censos não especificaram idade para o levantamento do analfabetismo). Em 1920 calculava-se o analfabetismo em 65%; trinta anos mais tarde, essa taxa caiu para 50% e levou mais trinta anos para baixar para 25%, em 1980 (FERRARO, 2004).

Observe-se ainda a mudança no conceito de analfabetismo. Em 1958 a UNESCO definia como analfabeto um indivíduo que não consegue ler ou escrever algo simples. Duas décadas depois substituiu esse conceito pelo de analfabeto funcional, que é um individuo que, mesmo sabendo ler e escrever frases simples, não possui as habilidades necessárias para satisfazer as demandas do seu dia-a-dia e desenvolver-se pessoal e profissionalmente.

O Quinto Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), divulgado em setembro de 2005, pelo Instituto Paulo Montenegro - IPM - (Disponível em: < www.ipm.org.br>. Acesso em 26 de junho de 2006 e RIBEIRO, 2004), mostrou que só 26% dos brasileiros na faixa de 15 a 64 anos de idade são plenamente alfabetizados. Desses, 53% são mulheres, 47% são homens e 70% , jovens de até 34 anos.

O censo de 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) considerou como analfabetos 10,6% da população entre 15 e 64 anos, ou seja, 11.180.813 pessoas de um montante de 104.997.015. 

Em 2003, o índice de analfabetismo absoluto detectado pelo IPM, responsável pelas pesquisas que subsidiam o INAF, ficou em torno de 8% e são considerados em um nível rudimentar de alfabetismo cerca de 30% dessa população. Dois anos mais tarde nova pesquisa do IPM registra uma queda de um ponto percentual no índice de analfabetismo. De acordo com os dados apresentados pelos censos demográficos do IBGE e outros sistemas avaliativos, percebemos que não houve quedas significativas, e sim, um movimento lento e gradual nos índices. É de se concluir portanto que as campanhas e programas governamentais destinados à erradicação do analfabetismo no país desde o final do século XX não têm dado conta de capacitar a população a ler e escrever, habilidades indispensáveis ao exercício da cidadania em uma sociedade cada vez mais letrada.

 

 

A pesquisa “Retrato de Leitura no Brasil”, divulgada pela Revista Época em julho de 2001, de iniciativa da Câmara Brasileira do Livro (CBL), do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) e da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), fez 5.503 entrevistas com pessoas de 14 anos ou mais, com pelo menos três anos de escolarização, em 40 cidades do país, que representam um universo estimado em 86 milhões de cidadãos e concluiu que 62% dos entrevistados - cerca de 53,3 milhões de pessoas – haviam lido livro no ano anterior. Esse percentual é mais alto no Brasil do que em Portugal. Mostrou também que  apenas 20% dos entrevistados haviam comprado os livros que leram; que 78% dos entrevistados apreciam os livros e que 89% vêem nele um meio de transmissão de idéias. Essa pesquisa deixou claro que o hábito da leitura está consolidado apenas numa parcela minoritária da população. Entre pessoas com curso superior ele é quase quatro vezes mais comum que entre os brasileiros cuja referência escolar se situa entre a 1a e a 4a série do ensino fundamental. Além disso, a familiaridade com a leitura é também um legado inter-geracional porque o hábito de leitura dos pais influencia a formação dos filhos como leitores.

Comprar livro é caro para boa parte da população. Um dos efeitos disso é a magreza das coleções particulares: ainda segundo a mesma pesquisa, 47% dos entrevistados têm no máximo dez livros em casa, e o número de exemplares que repousam sobre a estante de dois terços dos brasileiros não passa de 25. Além disso, o acesso gratuito ao livro é limitado. A rede pública de bibliotecas é calculada em menos de 5.000 unidades - menos de uma biblioteca por município, segundo números da Secretaria do Livro e da Leitura do Ministério da Cultura.

 

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Nasci no remoto ano de 1945, em São Lourenço, encantadora estação de águas no sul de Minas, aonde Manuel Bandeira e outros doentes iam veranear em busca dos bons ares e águas minerais, que lhes pudessem restituir a saúde.

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