Educação pública, gratuita e de qualidade, para todos, desde a educação infantil até a universidade.
Essas são palavras de ordem dos diretórios acadêmicos e movimentos representivos dos estudantes, há muitos anos. Nas últimas décadas testemunhamos um crescente empenho entre as famílias brasileiras de que seus filhos frequentem escolas regularmente. É comum que famílias do campo venham a se radicar na cidade “para mandar as crianças para a escola”. Décadas atrás os pais chegavam a impedir meninas de aprender a ler a fim de mantê-las mais isoladas em casa, longe de namorados. Mas essa mentalidade já ficou anacrônica juntamente com o espartilho, os cabelos longos e as camarinhas (quartos de moças situados depois do quarto dos pais, sem passagem externa)
Hoje em dia, felizmente, a família está ciente de que só se pode almejar um futuro melhor para os filhos e filhas se eles forem para a escola.
A par dessas mudanças culturais de mentalidade, as metodologias de ensino e a didática também passaram por mudanças , o trabalho pedagógico ganhou um pouco mais de qualidade com programas de formação continuada de professores e com o acesso, quase universal, de livros didáticos às salas de aula. Mas há um item que é muito prejudicial para a qualidade desse trabalho : a falta de compromisso com aulas efetivas em todos os dias letivos .Falamos das suspensões de aula em razão de dezenas de motivos : a professora está de atestado, falta água, falta luz, o ônibus quebrou, o telhado está precário e pode cair com as chuvas, e muitos outros.
Agora chegamos ao paroxismo: grupos de alunos resolveram acampar dentro das escolas, o que inviabiliza o uso das salas para funcionamento de zonas eleitorais e reuniões comunitárias nos feriados. Mas o mais grave é a impossibilidade de aplicação de exames que compõem sistemas de avaliação de larga escala, como o ENEM, O MAIS IMPORTANTE DE TODOS, QUE MOBILIZA MAIS DE OITO MILHÕES DE ESTUDANTES. Eles pretendem usar a nota do ENEM para ingresso nas universidades e fazer jus a bolsas ou financiamentos.
Aplicar o ENEM em tempos normais já é uma tarefa muito difícil, dada a sua magnitude.
Essas incertezas atuais tornam a tarefa dificílima. É claro que os estudantes invasores não estão tendo aulas regulares. O prejuízo acadêmico é imenso.
E tem mais: agora as universidades também estão invadidas, como é o caso da reitoria de UnB.
Não consigo entender como estudantes comprometidos com a educação de qualidade estejam causando tal prejuízo à qualidade da educação . A falta de aulas e atividades pedagógicas vai deixar, inexoravelmente, lacunas em sua formação . Mesmo que as aulas sejam repostas, essa pausa-protesto vai ter consequências no curto prazo, porque os conteúdos pedagógicos não estão sendo ministrados; no médio e longo prazo porque haverá atraso na conclusão do ensino básico, acarretando despesas extras.
O que pensam os pais dos invasores ? Têm noção dos riscos em que os jovens estão incorrendo? E surge aí também um outro tipo de custo Brasil : uma geração de profissionais cuja formação básica está ficando prejudicada e incompleta . Os próximos IDEBs vão refletir essas férias forçadas em mês letivo.
Stella Maris Bortoni-Ricardo é professora aposentada da Universidade de Brasília, onde trabalhou sempre