Quem são esses brasileiros analfabetos residentes no DF?
O Projeto Leitura, tem como objetivo vencer um dos maiores desafios encontrados pelos professores e amantes da literatura: Criar o hábito da leitura.
Projeto LEF Confira artigos, trabalhos, Vídeos, Fotos, projetos na seção do Letramento no Ensino Fundamental.
A
construção de Brasília é um marco na história brasileira. Na segunda
metade da década de 1950, o médico mineiro que foi eleito presidente da
República, Juscelino Kubitschek, decidiu transferir a capital federal
do litoral sudeste para o centro do Brasil. A nova capital foi
construída durante o seu mandato e inaugurada em 21 de abril de 1960. A construção de uma cidade moderna e planejada, erguida em uma área rural, remota e de difícil acesso, deu início a um novo tempo e acelerou o processo de urbanização no País. Para Brasília convergiram brasileiros de todos os quadrantes, dispostos a criar aqui uma sociedade urbana e de vocação cosmopolita, onde haveriam de conviver brasileiros de todas as regiões. É justamente a diversidade na
origem dos brasileiros que se estabeleceram em Brasília a
característica mais especial da cidade. É uma cidade plural, onde se
manifesta, por excelência, a vocação pátria de convivência harmoniosa
das diferenças. Ainda na época da sua fundação, o dialetólogo baiano
Nelson Rossi, que àquela altura tinha vindo lecionar na recém-criada
Universidade de Brasília, previa que a nova capital haveria de se
tornar um laboratório para estudos de falares Em 1983, concluí meu doutorado, em que investiguei o processo de urbanização de
migrantes de origem rural, oriundos de Minas Gerais, e radicados na
cidade de Brazlândia – DF. Esse estudo mostrou a tendência à acomodação
linguística no repertório desses migrantes, que gradualmente iam
perdendo os seus traços dialetais mais típicos. Mostrou também que no
processo há uma forte influência do fator intergeracional: as novas
gerações, nascidas em Brasília ou que para cá foram trazidas ainda em
tenra idade, usavam uma linguagem muito distinta daquela de seus pais,
tios e avós. Nesse processo, a escolarização tinha relevante papel. Mostrou ainda que essa acomodação segue trilhas distintas para homens e mulheres. A partir desse primeiro trabalho vieram outros que examinaram diversos aspectos sociolinguísticos na comunidade de fala do
Distrito Federal. Essas pesquisas sempre despertaram grande interesse
da população e os pesquisadores passaram a ser muito requisitados para
dar entrevistas a jornais, rádio e TV locais. Os jornalistas sempre
traziam uma pergunta: “Brasília tem seu próprio sotaque?” Estão
reunidos neste livro alguns artigos que foram produzidos sobre este
tema: O falar candango, alguns deles resultados de dissertações de
mestrado defendidas na UnB nas últimas décadas do século XX e no início
do século XXI. À
medida que a pesquisa prosseguia, comecei a levar em conta a
articulação de três movimentos, que expressam bem o que Brasília exibe
na fala e na cultura de seus residentes. São eles: do rural para o
urbano; do oral para o letrado; e do regional para o suprarregional. A
questão do rural para o urbano é muito relevante, pois Brasília foi
construída em uma área de rica e tradicional cultura rural, com a qual
a cidade rompe na medida em que ela própria representa a urbanização. A
cidade, de fato, foi fundada em um período em que o Brasil todo
experimentava uma rápida transição de um modus vivendi rural para o
urbano. Diferentemente dos países industrializados há mais tempo, a urbanização no
Brasil não aconteceu de maneira linear, mas sim de forma intermitente,
que se intensificava em alguns períodos. Entre os períodos de
urbanização mais intensa relevam-se o início do século XIX, quando a
corte portuguesa se instalou no Rio de Janeiro, e a década de 1950 com
o boom da cultura cafeeira O segundo movimento a
que me referi – a passagem de uma cultura oral para uma cultura letrada
– é paralelo ao processo de urbanização, que implicou, no Distrito
Federal, a criação de um sistema escolar amplo, púbico e privado, e
a implantação de outras instituições promotoras do letramento. Quanto
ao terceiro movimento – do regional para o suprarregional – ele é
consequência do próprio processo de convivência de brasileiros de todas
as regiões, pois, como está bem consolidado na literatura
sociolinguística, o contato favorece os amálgamas a expensas das
distinções. Brasília
segue um curso de desenvolvimento distinto de outras jovens capitais no
Brasil, como Belo Horizonte e Goiânia, que são bem representativas da
fala e da cultura dos respectivos estados. Em Brasília não assistimos à
perpetuação da cultura circundante, muito embora os estados que a
rodeiam funcionem como polos de emigração para a capital. Brasília
é hoje uma região metropolitana com a população de 9.680.621
distribuída em área de 1.760.734 km² onde se encontram 298 municípios.
Sua participação no PIB nacional é de 6,91%. Esses números do IBGE a
colocam entre as três maiores regiões metropolitanas no país, atrás
somente de São Paulo e do Rio de Janeiro. De fato a região de
influência da capital federal vai muito além das 29 regiões
administrativas do DF e das 22 cidades do Entorno, segundo o estudo
intitulado, “Regiões de influência das cidades” divulgado pelo IBGE em
2008 e publicado no Correio Braziliense em 19 de outubro de 2008. Para
estabelecer as regiões de influência no país, o IBGE levou em conta
três fatores: a subordinação das cidades à cidade polo, o impacto
empresarial e econômico e a oferta de produtos e serviços. Das 12
grandes redes de influência definidas pelo instituto, Brasília é a que
possui o mais alto PIB per capita, R$ 25,3 mil. A
transformação de Brasília em uma grande região metropolitana é notável
considerando-se que a cidade ainda não completou meio século de
existência. Mas com esse crescimento vieram também as mazelas que
afligem as grandes cidades brasileiras, agravadas, no caso de Brasília,
pelo histórico problema brasileiro da má distribuição de renda, que se
reproduziu em Brasília, muito embora, segundo o Plano Diretor de Lúcio
Costa, toda a comunidade devesse conviver no mesmo espaço, sem a
formação de guetos. A utopia socialista de sua concepção já foi rompida
no próprio período da construção, quando foi necessário prover
acampamentos para abrigar os operários, reservando-se o chamado Plano
Piloto para moradia dos funcionários públicos. Os acampamentos, de
provisórios passaram a assentamentos permanentes e precariamente
urbanizados e muitos outros foram surgindo no decorrer dessas cinco
décadas, acompanhando a pressão migratória. De
acordo com o Índice de Gini, coeficiente utilizado pelo Programa das
Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) para mensurar
as diferenças entre ricos e pobres, entre sete grandes cidades
brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza,
Curitiba, Brasília e Goiânia, nessa última se constatou a maior
concentração de renda, no que foi seguida de perto por Brasília. Este
volume está organizado em três seções que correspondem, grosso modo,
aos três movimentos mencionados. A primeira parte – Estudos de
dialetologia urbana sobre características da fala do Distrito Federal –
reúne pesquisas referentes à difusão dialetal, mais propriamente à
passagem do regional para o suprarregional. O livro O falar candango
foi organizado por Stella Bortoni, Vera Freitas e Ana Vellasco e será
publicado pela Editora da Universidade de Brasília.